REVISTA SOCIOLOGIA JURÍDICA – ISSN: 1809-2721
Número 14 – Janeiro/Junho 2012
Programa de adoção na comarca de Campo Grande (MS)
Adoption program in the judicial district of Campo Grande (MS)
Marcelo Barbosa Martins – Advogado e Mestre em Desenvolvimento Local pela Universidade Católica Dom Bosco – UCDB (2011).
E-mail: marcelo.bmartins@bol.com.br
Maria Augusta de Castilho – Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo, com graduação em História e atualmente é professora no Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Local e do Curso de História da Universidade Católica Dom Bosco – Campo Grande – MS.
Email: m.a.castilho@terra.com.br
Resumo: O objetivo deste trabalho foi o de abordar o Programa de Adoção desenvolvido na Vara da Infância, Juventude e do Idoso, da Comarca de Campo Grande, MS, verificando, a partir das características desse Programa. Vale ressaltar que as reflexões a respeito de identidades destacam o que é cultura, identidade e diversidade, uma vez que os processos de adoção são analisados e interpretados nas territorialidades constituídas em dimensões sócio-comunitárias. O estudo analisou o programa de adoção, o qual tem limitações de técnicos e de orçamento, mas vem alcançando resultados positivos tanto em número como em eficiência, de acordo com os dados obtidos no juizado específico. Observou-se a manutenção do referido Programa para o desenvolvimento social da cidadania daqueles envolvidos no processo de adoção de crianças e adolescentes. A pesquisa destaca ainda, a percepção dos envolvidos no Programa de adoção: juíza, psicóloga e pais adotivos.
Sumário: 1. Introdução; 2. Revisão bibliográfica; 2.1 Aspectos gerais da adoção; 2.2.1 Histórico e legislação; 2.2.2 Tipos de adoção no Brasil; 2.2.3 Conceito de adoção; 2.2.4 Requisitos da adoção; 2.2.5 Efeitos da adoção; 3. O Programa de Adoção da Vara da Infância, Juventude e do Idoso da Comarca de Campo Grande, Mato Grosso do Sul; 3.1 Da necessidade do Programa de Adoção; 3.2 O processo de habilitação dos pretendentes à adoção; 3.3 O procedimento do pedido de adoção; 4. A percepção dos envolvidos no Programa de Adoção; 5. Considerações Finais; 6. Referências
Palavras-chave: Família. Adoção. Desenvolvimento social. Territorialidade.
Abstract: The aim of this study is to approach the Adoption Program developed in the Judgeship for Infancy, Youth and the Elderly in the Judicial District of Campo Grande (MS), verifying it starting with the characteristics of this Program. It is worth bringing out that reflections on identity emphasize that it is culture, identity and diversity, seeing that the processes of adoption are analyzed and interpreted in the constituted territorialities within sociocommunitarian dimensions. The study analyzed the adoption program, which has limitations as to technical workers and budget but it is bringing positive results both in number and in efficiency, according to the data obtained in the specific judgeship. The maintenance of the aforesaid Program was observed for the social development of the citizenship of those involved in the process of adopting children and adolescents. The research also brings out the perception of those involved in the adoption Program: judge, psychologist and adoptive parents.
Key words: Family. Adoption. Social Development. Territoriality.
- INTRODUÇÃO
O modelo de família clássico que chegou ao início do século XX foi aquele patriarcal e autoritário, em que as normas jurídicas serviam para inferiorizar alguns de seus membros e excluir outros. Nesse tipo de família a mulher e os filhos deviam cega obediência ao pater familiae. A companheira e os filhos havidos fora do casamento não gozavam de qualquer prestígio social ou jurídico.
No fim do século XX, novas formas de família passam a conviver com modelos que ainda trazem traços do padrão antigo, todos frutos de uma sociedade em rápida transformação, sofrendo profundas crises de valores éticos.
A Constituição Federal de 1988 reconheceu a união estável entre o homem e a mulher, e a comunidade com um dos pais e seus descendentes como entidades familiares.
A crise da família também é de ordem econômica. Em um sistema competitivo e perverso, muitos núcleos familiares se desfazem pelo desemprego e subemprego de seus membros. Assistimos adolescentes chegarem à maternidade sem uma família capaz de assisti-las.
Neste quadro, o instituto da adoção alcança cada vez maior importância em um país como o Brasil, onde em outubro de 2010 havia 4287 crianças e adolescentes aguardando por adoção e 29.962 pessoas ou casais na fila por um filho por adoção. Isto, considerando-se somente o Cadastro Nacional de Adoção, instituído pelo Conselho Nacional de Justiça.
A pesquisa teve como objetivo analisar o Programa de adoção de crianças e adolescentes na comarca de Campo Grande, MS: potencialidades de desenvolvimento social, uma vez que a problemática versou sobre a dificuldade que os casais enfrentam no programa de adoção. A hipótese foi pautada no trabalho desenvolvido pelo juiz da Vara da Infância, Juventude e do Idoso da Comarca de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, que está possibilitando o desenvolvimento social e econômico de famílias que visam adotar crianças e adolescentes que vivem nos abrigos (11 ) existentes na capital.
- REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
2.1 Aspectos gerais da adoção
Ao se analisar a adoção torna-se necessário identificar aspectos históricos e a legislação, uma vez que essa temática perpassa épocas remotas da antiguidade, pois transcende o contexto jurídico, ligando-se a outras áreas de conhecimento, tais como: psicossocial, econômica, política e moral.
2.2.1 Histórico e legislação
Para Gonçalves (2007, p. 330), a adoção teve origem a partir da necessidade de dar continuidade à família. Coulanges, em sua obra clássica, La Cité Antique, mostrava a adoção como forma de perpetuar o culto familiar. Era o último recurso para evitar a desgraça da extinção pela morte, sem deixar descendentes.
Apesar de aparecer nos códigos de Hamurabi (1700 a.C) e de Manu (II a.C a II d.C) e na Grécia antiga, foi o direito romano que a disciplinou e a sistematizou, tendo sido amplamente utilizada na República e no Império.
O código civil de Napoleão (1804), que organizou juridicamente as novas instituições burguesas, retirou este instituto do esquecimento, e a adoção foi introduzida em quase todos os sistemas legislativos modernos..
O código civil de 1916 instituiu a adoção para que casais sem filhos, com mais de 50 anos, pudessem adotar.
Em 1957 foi promulgada a Lei 3.133, permitindo a adoção por pessoas com mais de 30 anos, que já tivessem filhos. Entretanto, este vínculo não garantia direito à herança, caso o adotante já tivesse prole. Esta situação perdurou até à Lei 6.515/77, do divórcio, que iniciou o processo legislativo no sentido de igualar os direitos dos filhos biológicos aos havidos por adoção. Finalmente, com a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, § 6º, ficou vedada qualquer discriminação entre filhos por adoção e os biológicos.
Atualmente, a adoção é regulada pelo código civil de 2002, que estabelece uma política legislativa em seus artigos 1618 e 1619 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), alterado pela Lei 12.010, de 3 de agosto de 2009.
2.2.2 Tipos de adoção no Brasil
No Brasil, de acordo com o Código Civil de 1916 destacam-se dois tipos de adoção: simples e plena.
- a) Adoção simples – regulada pelo Código Civil de 1916 e pela Lei 3.133/57, criava a relação de filiação entre adotante e adotado, sem estender o vínculo parental aos familiares do adotante. Mais: mantinha os vínculos do adotante com sua família biológica e podia ser revogada pela vontade das partes. Constituía-se solenemente pela vontade expressa por escritura pública.
- b) Adoção plena – instituída pela Lei 6.697/79, pela qual o adotado passa a ser, irrevogavelmente, filho do (s) adotante(s), apagando-se os vínculos com a família biológica, à exceção dos impedimentos matrimoniais.
Atualmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA -, criado pela Lei 8.069/90, consagra apenas a adoção plena, com a característica de irrevogabilidade e ser constituída pela expressão da vontade do adotante e pais ou representante do adotando, ou do próprio adotando, se maior de 12 anos. Este ato jurídico é solene, vez que revestido de procedimento judicial, regulado pelo referido estatuto menorista.
- c) Adoção póstuma – quando durante o procedimento judicial da mesma, ocorre o óbito do adotante e tenha restado clara a manifestação de sua vontade, no sentido de se constituir o ato jurídico (ECA, art. 42, § 6º).
- d) Adoção afetiva – adoção à brasileira é aquela em que o adotante toma criança recém nascida e a registra como seu filho. É também chamada de
- e) Adoção unilateral – ocorre quando um ou ambos em uma nova relação possuem filhos de uniões anteriores, e o novo parceiro vem a adotá-los.
- f) Adoção pronta ou intuitu personae – é aquela em que o candidato a pai procura o judiciário já tendo a guarda de fato da criança, normalmente a partir de um prévio arranjo com os pais biológicos.
- g) Adoção estrangeira – De acordo com Marques (2011, p. 1), a ratificação pelo Brasil, da Convenção de Haia, de 05.1993, o interessado em adoção deverá ser representado por uma entidade estrangeira habilitada, segundo a lei brasileira, a atuar no Brasil no campo das adoções. A legislação não permite a adoção realizada diretamente pelo interessado.
A adoção internacional, segundo a juíza titular da Vara da Infância, Juventude e do Idoso de Campo Grande, é extremante importante, pelo fato de muitos adotantes estrangeiros aceitarem acolher crianças com doenças incuráveis e adolescentes, o que normalmente não ocorre com os pretendentes brasileiros.
2.2.3 Conceito de adoção
Para Dias (2009, p. 434), uma das pioneiras a estudar os direitos relacionados aos novos tipos de família em nosso país, a filiação decorre ou do fato nascimento, ou de uma declaração de vontade: a adoção. Esta é um ato jurídico, que depende da intervenção do Estado a chancelá-lo, por uma sentença. Por ela, estabelece-se um vínculo de filiação fictício, entre pessoas que são estranhas entre si. Para Facchin (1999, p. 219), é modalidade de filiação construída no amor. Nesta mesma perspectiva psicossocial, Lôbo (2003, p. 144 apud DIAS, 2009, p. 434-435), afirma que a filiação não é um dado da natureza, antes uma construção cultural, fortificada na convivência, no entrelaçamento dos afetos, não importando sua origem. Assim, o filho biológico também é adotado pelos pais no dia a dia de suas vidas
2.2.4 Requisitos da adoção
De acordo com o ECA, os requisitos da adoção são os seguintes:
- Idade mínima de 18 anos para o adotante, independentemente de seu estado civil (art. 42);
- Diferença mínima de 16 anos, entre adotante e adotado (art. 42, § 3º). Caso a adoção seja conjunta, a jurisprudência vem entendendo suficiente a diferença mínima de idade entre um dos adotantes e o adotado;
- Consentimento dos pais ou representantes do menor a ser adotado. Este será dispensado, em caso de os pais serem desconhecidos ou que tenham perdido o poder familiar. (art. 45, caput e §1º). É necessário o consentimento do adotando, quando tiver mais de 12 anos (art. 45, §2º);
- Necessidade de ser constituída mediante procedimento judicial, conforme previsto no artigo 165 e seguintes, do Estatuto ora analisado;
- Concordância do cônjuge ou companheiro do adotante (165, I), quando o pedido vier formulado por apenas um deles.
- Na adoção conjunta, existe a necessidade de os adotantes serem casados entre si, ou manterem união estável (art. 42, § 2º), não existindo proibição legal para casais homoafetivos que comprovem a união estável;
- Os divorciados, os separados judicialmente e os ex-companheiros podem adotar conjuntamente, caso acordem quanto à guarda e regime de visitas e que o estágio de convivência com o adotando tenha se iniciado durante o período de convivência dos adotantes, a fim de garantir o vínculo afetivo do menor com aquele que não detiver a guarda (art. 42, §4º);
2.2.5 Efeitos da adoção
Os estudiosos classificam os efeitos da adoção como de natureza pessoal e patrimonial.
São efeitos pessoais:
- Possibilidade de alteração do nome e prenome do adotando;
- Extinção do parentesco entre adotando e sua família biológica e criação de parentesco entre adotando e adotante e familiares deste;
- Igualdade de direitos entre irmãos por adoção e biológicos;
- Poder familiar dos novos pais por adoção;
São efeitos patrimoniais:
- a) Direito de o adotante administrar e usufruir os bens do adotado menor. Código Civil – 1689 e seguintes;
- b) Obrigação recíproca entre adotante e adotado de alimentos, quando necessário (Código Civil, 1634);
- c) Direito sucessório do filho adotado igual ao do biológico (art. 227, § 6º, da CF);
- O PROGRAMA DE ADOÇÃO DA VARA DA INFÂNCIA, JUVENTUDE E DO IDOSO DA COMARCA DE CAMPO GRANDE, MATO GROSSO DO SUL
O Cadastro Nacional de Adoção é uma ferramenta criada para auxiliar os juízes das varas da infância e da juventude na condução dos procedimentos de adoção. Lançado em 29 de abril de 2008, o CNA tem por objetivo agilizar os processos de adoção por meio do mapeamento de informações unificadas. O cadastro possibilita, ainda, a implantação de políticas públicas na área. Dessa forma, o estudo analisa de maneira específica, a adoção de crianças e adolescentes na Comarca de Campo Grande – MS.
3.1 Da necessidade do Programa de Adoção
A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 227, caput, estabelece ser “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
O parágrafo 5º do mesmo dispositivo determina que a adoção será assistida pelo poder público, na forma da lei.
Estes dispositivos da Carta de 1988 elevaram a nível constitucional a proteção da família, da criança e do adolescente. Tais assuntos eram tratados pelo código civil de 1916, com os olhos e valores voltados para o liberalismo do século XIX e toda uma ausência de proteção aos direitos sociais daqueles sujeitos.
O legislador elaborou obra avançadíssima para regulamentar a norma constitucional: a Lei 8.069 de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente – que em seus artigos 39 e seguintes trata da adoção.
Na Comarca de Campo Grande, MS, a vara da infância, juventude e do idoso é competente para conhecer os pedidos de adoção e fiscalizar as condições dos abrigos para crianças e adolescentes em situação de violação de direitos previstos no ECA.
Estes abrigos recebem as crianças e adolescentes em caso de falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis, da sociedade, Estado, ou mesmo por sua conduta, de acordo com o artigo 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Para agilizar os processos de adoção, o CNJ criou o Cadastro Nacional de Adoção, por sua Resolução 54/2008. Esse banco de dados traz as informações disponíveis das crianças e adolescentes, que são cruzadas com as características dos pretendentes de todas as comarcas, de todas as unidades federadas. Também confere mais transparência ao procedimento da adoção.
3.2 O processo de habilitação dos pretendentes à adoção
Para atender o disposto no parágrafo 3º, do artigo 50 do ECA, que exige uma preparação psicológica e jurídica dos pretendentes, a VIJI de Campo Grande criou um curso para formação de pais, que atualmente se constitui de freqüência a duas palestras de duas horas e meia cada uma.
Neste curso os casais têm a possibilidade de refletir sobre o significado da adoção de uma criança ou adolescente e suas implicações sociais e jurídicas.
Após o curso, os pretendentes fazem requerimento que visa habilitá-los ao pedido de adoção.
São realizadas entrevistas com os pretendentes à adoção, pelos os técnicos da VIJI objetivando verificar se estes estão preparados a receber o filho adotivo; pois muitas vezes o candidato atravessa momento delicado de sua vida, como a perda de um filho e de modo errôneo busca com a adoção superar a perda pretérita. Outros pretendentes têm como finalidade a paga de uma promessa.
Também é feita visita à residência do pretendente para verificar-se se o ambiente familiar onde a criança ou adolescente será acolhido é apropriado ao desenvolvimento do menor.
Cumprida essa fase, o ministério público se manifesta e o juízo decide por sentença se os pretendentes estão (ao) aptos à adoção.
3.3 O procedimento do pedido de adoção
Após a habilitação dos pretendentes, estes devem ingressar com o pedido de adoção. Em seguida é feito estudo social e psicológico do caso, para ver-se se o adotando está se adaptando à família substituta.
Após a manifestação do Ministério Público, deve-se obter o consentimento inequívoco dos pais biológicos, seus representantes ou destitui-se o poder familiar destes. Se o adotando for adolescente, deve concordar com a adoção.
Finalmente, o processo irá ao juiz, que analisando a situação de fato, decidirá de forma a atender o interesse maior da criança ou adolescente: deferirá ou não a adoção. Desta decisão, tanto o Ministério Público como os adotantes podem recorrer ao tribunal de justiça local.
- A PERCEPÇÃO DOS ENVOLVIDOS NO PROGRAMA DE ADOÇÃO
Inicialmente, é importante mostrar, de forma geral, o perfil dos adotados e adotantes para se entender a percepção dos envolvidos no Projeto de Adoção – Campo Grande-MS.
Os adotandos são crianças e jovens que vivem a mercê de um futuro sem perspectivas, com angústia própria da de uma solução que talvez não venha a ocorrer. Não deixam de ser crianças, não deixam de ser meninos e meninas que têm nas mãos uma vida, nem sempre bela, mas uma vida que por esperança infinita deseja ser abençoada.
Dos Dados estatísticos dos adotados do Projeto Padrinho – Campo Grande-MS, tendo como aporte 100% do total de categoria, identificou-se que 58,5% são meninos, 63,6% afrodescendentes, 11,7% abrigados com menos de 3 anos de idade e 61,3% entre 7 e 15 anos de idade (ABRAMINJ, 2011, p. 15).
Os adotantes são, em geral, casais que não podem gerar os próprios filhos e para quem a adoção constitui a única via possível para formarem uma família completa e assegurar uma descendência. Também existe em menor número casais que já têm filhos, mas mesmo assim desejam adotar crianças ou adolescentes para a formação de uma família mais numerosa.
Nesse contexto, foram realizadas três entrevistas[1], duas com a psicóloga Lílian Regina Zeolla, uma das coordenadoras do curso de formação de pais e a terceira com a juíza titular da Vara da Infância, Juventude e Idoso de Campo Grande, Dra Katy Braum do Prado. Ambas são pessoas muito dedicadas a seu trabalho, extremamente éticas e capacitadas profissionalmente. Conhecem pessoalmente as crianças e adolescentes abrigados, aos quais dispensam cuidados e carinho.
Foram analisados 11 processos destacando-se em cada um deles o procedimento adotado para a adoção em cartório na Vara referida acima.
Identificou-se que os pretendentes preferem filhos de cor branca, saudáveis e recém nascidos. Verificou-se que a maior dificuldade do Programa é encaminhar para adoção as crianças com mais de dois anos, as que têm problemas de saúde graves e os adolescentes. A estes últimos restam duas alternativas, segundo o depoimento da juíza Katy Braum do Prado: a solução da adoção internacional ou a criação de vínculo com alguma pessoa que trabalhe ou freqüente o abrigo onde o adolescente se encontra.
Esse fato explica os números do cadastro de crianças e adolescentes e o de pretendentes a pais serem tão desiguais. Em Campo Grande são 142 pretendentes, um número bem superior ao de crianças e adolescentes (21).
Para a juíza e técnicos da VIJI de Campo Grande o problema da adoção tardia (criança com mais de dois anos e adolescente) esbarra em questão cultural. Eles têm a exata noção que levará tempo para que as famílias pretendentes ajam com mais naturalidade diante dessa possibilidade.
A mesma juíza e sua equipe vêm com reserva a adoção pronta ou intuitu personae, aquela em que os pais procuram a justiça da infância e juventude já tendo a guarda de fato da criança. Argumenta a titular daquela Vara que normalmente tais casos são precedidos de alguma troca ou favor feito à mãe biológica, antes, durante ou após o parto. Para a juíza e os técnicos, se o pai por adoção admite iniciar a relação adotiva como se o filho fosse uma “coisa”, passível de troca, o judiciário não deve chancelar tal ato de vontade. Lembra-se que o cuidado da juíza também valoriza a fila de pretendentes.
Sobre essa questão, a juíza titular informou que no estado do Rio de Janeiro existe uma magistrada que é bastante pragmática na busca de solução para estes casos. Se o casal já é habilitado e consegue uma criança fora do cadastro oficial, a juíza fluminense formaliza a adoção. Se casal não habilitado procura sua vara com a guarda de fato de criança, ela permite que o casal se habilite e peça a adoção! Tais procedimentos ferem o formalismo da lei da criança e do adolescente, mas são feitos em função da proteção dos direitos dos mesmos. É sujeita a crítica, já que dá margem a exageros.
Nas entrevistas, a coordenadora da equipe técnica e a juíza relataram que certa vez chegou à Vara um pedido de adoção pronta, feito por pessoa de reconhecido poder político e econômico. Tinha conseguido a guarda de fato da criança junto a um abrigo mantido por uma igreja. A juíza processo determinou a busca e apreensão da criança, sob o fundamento de não ter havido prévia habilitação dos pais e inexistência de adaptação da criança.. O TJMS, sensível ao poder político do recorrente, reformou a decisão, entregando a criança ao pretendente. O mais grave nesse caso, de acordo com o depoimento da juíza Katy Braum do Prado, foi que a criança fora afastada da mãe biológica por uma dificuldade transitória desta, quem readquiriu a capacidade de continuar com o poder familiar, mas viu-se injustamente destituída deste.
Existe junto a Vara da Infância, Juventude e Idoso de Campo Grande, o Projeto Padrinho, responsável pela busca de famílias que adotem ao menos “financeiramente” crianças e adolescentes abrigados. Tal ocorre por existir dificuldade financeira dos abrigos. Também ocorre de os padrinhos receberem a criança ou adolescente no final de semana, ou mesmo por período mais largo. É uma forma de o menor abrigado ter contato com uma família disposta a partilhar com ele algum afeto, vez que no abrigo as relações são de natureza tal, que dificultam a criação de vínculos. Naqueles ambientes existe uma cultura de ali ser uma estadia provisória, mesmo sabendo-se em muitos casos não o sejam.
A necessidade de implantação do Projeto Padrinho deu-se com a constatação de que muitas crianças e adolescentes que vivem em abrigos e ficam por um bom tempo sem convivência e apoio familiar. Enquanto tramitam os processos na Vara da Infância, crianças e adolescentes sofrem com a incerteza do futuro. Esse tempo de abrigo não deveria ser um tempo sofrido, prejudicial ou inútil, já que em todos os momentos da vida a criança deve ter seus direitos preservados. Mas na prática, não é sempre assim: em abrigos, sem apoio do Poder Público e da sociedade, muitas dessas crianças perdem saúde, alegria, motivação para estudar e esperança. Ganham mágoas e revoltas.
Isto ocorre em todo o Brasil e é também a realidade que se verifica na Vara da Infância e da Juventude de Campo Grande – MS. Por isso, no ano 2000, a Juíza Maria Isabel de Matos Rocha, implantou o Projeto Padrinho como um programa de solidariedade e apoio da sociedade civil às crianças e adolescentes abrigados.
Vale enfatizar que o Projeto Padrinho tem por objetivo mostrar à sociedade a realidade das crianças em situação de risco e estimular o exercício da cidadania, convidando as pessoas a gestos de afetividade, levando carinho e convivência familiar, social e comunitária às crianças.
O projeto faz a aproximação entre quem quer ajudar e quem precisa de ajuda e apoio material, além de profissional e educacional, acompanhada pelo padrinho que contribuirá para o seu desenvolvimento moral, social e educacional.
No Projeto de Adoção, dos casos analisados constatou-se que:
- a) Uma criança nasceu quando a mãe tinha 15 anos na ocasião do parto, entregando a recém nascida para a tia;
- b) Um infante foi abandonado pela mãe, ficando o mesmo com o pai. A pretendente, aos 13 anos, iniciou namoro com o pai da criança e passou a cuidar desta. O pai foi a óbito sem ter reconhecido a paternidade da criança. A criança foi registrada pela mãe da pretendente, já que ainda era menor.
- c) Em abril de 2009 os pretendentes souberam pela leitura de jornal que uma parenta estava em hospital local, com queimaduras de cigarro no corpo e membros fraturados, vítima de maus tratos. A mãe é prostituta. Os pretendentes receberam a criança com menos de dois anos, pelo fato de os pais não poderem criá-la. Hoje a criança tem nove anos, não consegue relacionar-se com a equipe técnica da VIJI, tem micção noturna e não sabia que era filha por adoção.
- d) A pretendente é pessoa solteira, conheceu uma criança de 9 anos, morando em abrigo. Os pais haviam sido privados do poder familiar. Dois anos depois, a pretendente recebeu a criança aos onze anos.
- e) Um casal pretendente vive junto há cerca oito meses e nesse período já esteve separado. O companheiro pediu a adoção unilateral que foi indeferida, dado que o pretendente a pai não tinha ainda a necessária estabilidade familiar para receber como filho, a criança de sua parceira.
Os pretendentes pela adoção têm boa renda mensal e se apaixonaram por criança de um ano que conheceram em hospital local, vítima de maus tratos e com doenças graves, algumas incuráveis. Tomaram as providências para receber a guarda com urgência, para poderem tratar do infante, que necessita de internações freqüentes.
Estas histórias são reais, tiradas de processos que tramitam na vara da infância, juventude e do idoso de Campo Grande. Ali é estuário de centenas de casos de abandono, frutos do desfazimento de famílias mal estruturadas moral e economicamente. Contra estas crianças e adolescentes, que se vêm privados da vida familiar e outros direitos, milita a falta de políticas públicas que tratem a questão do menor como prioridade, como determina o Estatuto da Criança e do Adolescente.
- CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo que tomou por base o referencial teórico de autores que contemplaram aspectos básicos do desenvolvimento local sinaliza a necessidade de que o olhar voltado à questão do menor e à adoção esteja voltado não só à cidade de Campo Grande-MS, mas ao Brasil como um todo.
O histórico, a legislação, conceitos e tipos de adoção esclareceram o conteúdo básico da pesquisa de forma seqüencial. Destacou-se, também, o Programa de Adoção de Crianças e Adolescente na Comarca de Campo Grande, privilegiando-se o Projeto de Adoção, onde se analisou pedidos de adoção no fórum da capital sul-mato-grossense.
Identificou-se nos 11 casos de pedidos de adoção de crianças e adolescentes analisados, situações de dificuldade e outras em que a adoção aparece como esperança de mudança na qualidade de vida dos envolvidos.
Por outro lado, a administração pública não trata a questão como prioridade, repassando verbas insuficientes para a manutenção de abrigos.
A maior parte dos abrigos é mantida por igrejas ou entidades não governamentais, o que mostra o desinteresse do estado frente a esta situação.
Neste quadro, o Programa de Adoção da VIJI da Comarca de Campo Grande é um sinal de esperança e mudança para adotantes e adotados.
Ao tornarem possível uma família substituta a uma criança ou a um adolescente privados de pais, faz nascer naquela família um ambiente propício ao desenvolvimento social, psicológico e social de toda a família.
Aos pais incapazes de gerar um filho biológico, dá-se a paternidade afetiva, que certamente vai fortalecer os laços de união daquela família, tornando possível o sonho da existência de descendência e a troca afetiva com o novo filho.
Estes pais poderão, a partir do curso para a habilitação, começarem a participar dos grupos de apoio à adoção, constituídos por membros de famílias em que o vínculo da adoção esteja presente.
Como visto, nesses grupos são discutidas práticas visando sensibilizar mais famílias para prática de adoção de crianças e adolescentes pesquisados nesta dissertação. Neles também se podem estudar modos de sensibilizar eventuais pretendentes a refletirem sobre a adoção tardia, que é questão muito séria hoje em nosso país.
Esses amigos da prática adotiva também poderão se organizar para buscar os poderes Executivo e Legislativo, com o fim de serem estudadas medidas de incentivo às adoções tardias.
Os grupos devem trabalhar de modo coordenado, junto com os que têm vínculo com a VIJI, para que as forças individuais sejam direcionadas a uma finalidade comum: o desenvolvimento das políticas públicas de adoção na Comarca de Campo Grande.
Aos adotandos, as vantagens do Programa de adoção são evidentes. Através do Programa sub oculi, a criança ou adolescente que vive em abrigo tem a possibilidade de retornar a um ambiente familiar, onde terá desde o início, o papel de filho e sujeito de direitos de família, apto a dar e receber afeto naquele novo grupo acolhedor. Isto, precedido de um trabalho conduzido pelo juiz e equipe de técnicos e servidores da Vara da Infância e Juventude, que visa reconhecer o novo ambiente que vai receber o adotando, preocupados em oportunizar o crescimento físico, mental e afetivo daqueles adolescentes e crianças.
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[1] As entrevistas foram autorizadas e realizadas em 2010 com: Lílian Regina Zeolla, uma das coordenadoras do curso de formação de pais e com a juíza titular da Vara da Infância, Juventude e Idoso de Campo Grande, Katy Braum do Prado.