REVISTA SOCIOLOGIA JURÍDICA – ISSN: 1809-2721
Número 18 – Janeiro/Junho 2014
PREVISÕES JURÍDICAS E PROGRAMAS DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM CONDIÇÃO DE VULNERABILIDADE NO BRASIL
Legal Forecasts and Protection Programs for Children’s Rights and Teens in Condition of Vulnerability in Brazil
Marlene Mansur Mendes Fagundes – Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Estácio Uniseb. Ribeirão Preto-SP.
E-mail: mel_mendes08@hotmail.com
Elizabete David Novaes – Doutora em Sociologia pela Unesp/Araraquara; Docente do Centro Universitário Estácio Uniseb. Ribeirão Preto-SP.
E-mail: elizabete.novaes@live.estacio.br
Resumo: O trabalho em pauta trata dos programas de proteção à criança e ao adolescente como forma de efetivar os direitos a eles inerentes. Os programas de proteção à infância têm como finalidade propor mecanismos para a proteção de princípios e direitos que vão garantir o melhor desenvolvimento para as crianças e adolescentes, bem como das famílias. Contudo, observou-se um conflito entre a garantia jurídica e a real contribuição estatal para a efetivação desses direitos, dada a persistência do abandono dessas crianças e adolescentes em decorrência de diversos fatores. Faz-se fundamental o rompimento da dicotomia entre teoria e prática, de modo que se defenda uma maior participação política capaz de favorecer efetivas mudanças na sociedade em defesa de crianças e adolescentes em condição de vulnerabilidade.
Palavras-chave: Criança e Adolescente; programas de proteção; doutrina da proteção integral; Estatuto da Criança e Adolescente.
Abstract: The study deals with child protection programs and adolescents as a way to give effect to the rights attached to them. The child protection programs are intended to propose mechanisms for the protection of principles and rights that will ensure optimal development for children and adolescents , and families. However , there was a conflict between the legal guarantee and the actual state contribution to the realization of these rights , given the persistence of the abandonment of these children and adolescents due to several factors. It will be essential to break the dichotomy between theory and practice , so that advocate greater political participation can promote effective change in society in defense of children and adolescents in vulnerable condition.
Keywords: Children and Adolescents; protection programs; doctrine of full protection; Statute of Children and Adolescents.
Sumário: 1 Introdução; 2 Aspectos Teóricos; 2.1 Criança e Adolescente como Sujeitos de Direitos; 2.2 O Princípio da Proteção Integral; 2.3 Criança e Adolescente em Condição de Vulnerabilidade; 2.3.1 Violência Familiar; 2.3.2 Trabalho Precoce; 2.3.3 Violência Física; 2.3.4 Violência Psicológica; 2.3.4 Violência Psicológica; 2.3.5 Violência Sexual; 3. Meios de Atenção à Criança e ao Adolescente; 3.1. Conselhos Tutelares; 3.2. Acolhimento Familiar; 3.2.1 Acolhimento Familiar na Prática; 3.3 Acolhimento Institucional; 3.3.1 A Realidade dos Abrigos no Brasil; 4 Considerações Finais; 5 Referências.
1 Introdução
Este trabalho tem por objetivo realizar um estudo sobre as garantias jurídicas previstas pelos programas de proteção de crianças e adolescentes, quando estes se encontram sofrendo violência, seja ela psicológica, física, sexual ou, ainda, submetidos ao trabalho precoce.
A proteção à infância e adolescência vem evoluindo com o passar do tempo, tendo atingido objetivos hoje positivados no ordenamento, principalmente com o Princípio da Proteção Integral e com o Estatuto da Criança e Adolescente, os quais, baseados nas garantias da Constituição Federal de 1988, solidificou os direitos de crianças e adolescentes.
No entanto, não são raros os casos em que se verifica violência doméstica e social contra crianças e adolescentes, embora os pais ou responsáveis, bem como a sociedade possuam o dever de zelar por eles; e não há dúvidas de que os prejuízos são enormes para aqueles que são violentados ou negligenciados. Daí a justificativa de abordar esta problemática neste artigo, enfatizando a necessidade dos programas e incentivos do Estado para recuperação e acolhimento de crianças e adolescentes.
A pesquisa foi feita por meio de revisão bibliográfica, utilizando-se o método indutivo, por meio do qual se desenvolveu um processo de raciocínio a partir de fatos particulares referentes à condição da criança e o tratamento que o ordenamento jurídico prevê para ela, até chegar a uma conclusão de ordem geral, que se valeu da comparação entre as previsões jurídicas e os fatos concretos.
2 Aspectos Teóricos
2.1 Criança e Adolescente como Sujeitos de Direitos
Com base no artigo 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente são consideradas crianças pessoas com até 12 (doze) anos incompletos, e adolescentes os que tiverem entre 12 anos e 18 anos, tendo então como único fator exclusivo a idade, sem considerar os critérios psíquicos e biológicos.
A esse respeito, esclarecem Rossato, Lépore e Cunha (2012, p. 87) que “O adolescente não é uma criança crescida. Nem mesmo um adulto em potencial. Em verdade, é uma pessoa com características próprias, que precisa ser ouvida, cuja opinião deve ser levada em consideração em todas as decisões, interferindo no processo histórico e político”. Portanto, entende-se necessário fazer a distinção entre criança e adolescente, pois ainda que estes necessitem da proteção integral e devam gozar de direitos, por outro lado, o tratamento legal deve ser diferente considerando a especificidade de cada idade, por exemplo, pelo fato de uma maior maturidade do adolescente em relação à criança.
São claras as distinções entre crianças e adolescentes quando da prática dos atos infracionais, pois aos adolescentes são aplicadas tanto as medidas de proteção quanto medidas socioeducativas, previstas nos artigos 101 e 112 do ECA; enquanto às crianças, apenas são aplicadas medidas de proteção previstas no artigo 101 do mesmo Estatuto.
Considerando tal conceito, é necessária uma atenção específica aos adolescentes no que tange as políticas públicas e programas de proteção a seus direitos e garantias individuais. Considera-se, portanto, que com o Estatuto, as crianças e os adolescentes são vistos como sujeitos de direito, diferentemente do que acontecia no passado e, ainda que não possuam capacidade plena para os atos da vida civil, têm o direito de exercer os direitos fundamentais bem como os direitos humanos que lhes são garantidos.
Tal possibilidade é corroborada inclusive pelo artigo 3º, inciso IV da Constituição Federal de 1988, que estipulou como objetivo da República Federativa do Brasil, sem qualquer forma de discriminação, a promoção do bem de todos.
2.2 O Princípio da Proteção Integral
Os direitos fundamentais à infância e adolescência no Brasil estão assegurados pelo ECA. Explicitamente em seu artigo 1º, é legitimada a doutrina da proteção integral, isso em razão da sistematização adotada pela Constituição Federal de 1988 que permitiu em nível supremo a validade e eficácia das normas que envolvem crianças e adolescentes. Tais normas constitucionais possuem como referência as normas internacionais de direitos humanos, como por exemplo, pode-se citar a Declaração Universal de Direitos Humanos.
O princípio da proteção integral preceitua que crianças e adolescentes sejam considerados com sujeitos de direitos, vistos como cidadãos com prioridades, considerando sua situação de necessidades especiais e imediatas. Tanto a criança quanto o adolescente gozam de privilégios fundamentais da pessoa humana, sendo reconhecidas oportunidades e facilidades para que possam se desenvolver tanto física, mental, espiritual e socialmente.
Os direitos consagrados no artigo 227 da Constituição Federal, em consonância com o artigo 5º do ECA, resulta no Princípio da Proteção Integral das crianças e adolescentes, como forma de agregar direitos visando a estes uma maior proteção.
Cabe observar que o Estatuto da Criança e do Adolescente não visa apenas ao menor carente ou aquele que se encontre em situação conflituosa e sim, a todo menor, independentemente da situação em que se encontre. Dessa maneira, a lei confere ao menor diversos direitos necessários como garantia de seu pleno desenvolvimento.
A Constituição Federal de 1988 preceitua como dever do Estado, juntamente com a própria família e sociedade, possibilitar à criança e aos adolescentes direitos à vida, à saúde, à alimentação, etc., impossibilitando-os de qualquer tipo de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão; e é desse modo que “o direito da criança e do adolescente encontra seu caráter jurídico-garantista” (CUSTÓDIO, 2008, p. 33 e 34).
Segundo o artigo 7º do ECA, a criança e o adolescente possuem direito à proteção à vida e à saúde através da efetivação de políticas sociais que lhes deem condições para o nascimento e desenvolvimento em condições dignas de existência.
Constata-se assim, que o Estado assume uma posição de tutor, a fim de garantir a segurança de tais direitos. Fica incumbido ao Estado o dever de promover programas de assistência total à saúde da criança e do adolescente e a elaboração de programas de cautela e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, assim como a sua integração social.
O artigo 228 da Constituição faz uma abordagem a respeito de ilícitos que possam vir a ser cometidos pelas crianças e adolescentes, garantindo a inimputabilidade para aqueles que não possuem desenvolvimento, por não ter 18 anos completos, e aos adolescentes fica garantido o direito de serem julgados em um tribunal especial presidido pelo Juiz da Infância e Juventude.
A proteção integral é uma medida assecuratória de direitos mínimos, sem os quais, tanto as crianças quanto os adolescentes não poderiam sobreviver. Portanto, formalmente, os direitos humanos da criança e do adolescente estão completamente assegurados, possuindo na Constituição Federal uma Carta de Direitos Fundamentais. Porém, a realidade não encontra pleno amparo na previsão jurídica, podendo-se constatar que milhões de crianças vivem na miséria, e parte das famílias sobrevivem com menos de um salário mínimo. Assim, toda a garantia à vida e à saúde encontra um bloqueio com a mortalidade infantil e com a miserabilidade a que as crianças estão sujeitas.
2.3 Criança e Adolescente em Condição de Vulnerabilidade
O conceito de Vulnerabilidade refere-se à susceptibilidade de uma pessoa, grupo, sociedade, ou sistema, a um dano físico ou emocional ou possível ataque. Portanto, trata-se de um conceito que liga a relação que as pessoas têm com seu ambiente, com as forças sociais, as instituições e os valores culturais que o sustentam e a capacidade de contestá-los.
O conceito de vulnerabilidade nasce na área da defesa internacional pelos Direitos Universais do Homem. Desta feita, encontram-se na categoria dos vulneráveis, pessoas que por condições sociais, culturais, étnicas, políticas, econômicas, educacionais e de saúde, têm as diferenças estabelecidas entre eles e a sociedade envolvente, transformadas em desigualdade. Por consequência, o termo vulnerabilidade aponta para sujeitos fragilizados, jurídica ou politicamente, no que se refere à promoção, proteção ou garantia de seus direitos fundamentais e de cidadania.
Deste modo, crianças e adolescentes, dada sua condição etária, de sujeitos ainda em formação, encontram-se em situação de fragilidade quando suas garantias de proteção não são efetivadas, especialmente quando neste processo, a família mostra-se incompetente ou incapaz de acolhê-los, negligenciando a criança, ou ainda, submetendo-a a situações de agressão e violência. Portanto, a vulnerabilidade envolve diferentes formas de violência às quais tais indivíduos podem estar sujeitos, como se apresenta a seguir.
2.3.1 Violência Familiar
A violência intrafamiliar é definida como um protótipo de relacionamento com abuso de poder entre pai, mãe e filho, que gera o desencontro no desempenho dos papéis familiares (FERRARI; VECINA, 2002). Nos lares em que ocorre violência contra crianças e adolescentes existe um transtorno que revela a diferença tanto de gênero quanto de geração, isso se traduz na subordinação do mais fraco pelo mais forte, demonstrada pela violência física e psicológica, abuso sexual e negligência. Como consequência da violência sofrida, crianças e adolescentes crescem com dificuldade de se vincularem, guardando resquícios que podem surgir futuramente, em dificuldades escolares, dificuldade de se relacionarem, ou até mesmo em situação de suicídio.
A violência ocorrida no interior dos lares dificilmente é constatada por profissionais como médicos e professores que convivem com o ofendido. Contudo, cabe ao Estado, através de Políticas Públicas, combater o aumento e disseminação destas formas de violência. É o que se pode observar no artigo 245 do ECA, que prevê aplicação de multa nos casos em que profissionais são omissos quando possuem o conhecimento de suspeita ou confirmação de maus tratos contra crianças e adolescentes. (FERRARI; VECINA, 2002).
2.3.2 Trabalho Precoce
Tendo como base a teoria da proteção integral, definiu-se a idade mínima para que os sujeitos iniciem sua atividade profissional. Segundo o artigo 7º, inciso XXXIII do texto constitucional, ficam proibidos de exercerem quaisquer atividades de trabalho os menores de 16 anos, exceto a partir dos 14 anos, quando houver trabalho na condição de aprendizagem. Contudo, aos menores de 18 anos, ficam absolutamente proibidos os trabalhos que sejam insalubres e perigosos.
A Convenção 182 da OIT buscou extinguir o trabalho infantil em suas piores faces, como o trabalho infantil escravo; atividades que envolvam crianças e adolescentes em prostituições ou produções pornográficas; trabalhos que os envolvam em atos ilícitos -como o tráfico de entorpecentes- e ainda, os trabalhos que venham a danificar a saúde ou segurança. Tal Convenção defende a necessidade de reintegrar as crianças e adolescentes envolvidos nestas formas de trabalhos, preocupando-se ainda com as suas respectivas famílias.
Do mesmo modo, o Estatuto da Criança e do Adolescente também lista as atividades prejudiciais e, portanto, baniu a participação de crianças e adolescentes de atividades de trabalhos penosos e os realizados em ambientes desfavoráveis à formação e progressão física, moral, psíquica e social.
2.3.3 Violência Física
Segundo a Política Nacional de Redução de Morbimortalidade por Acidentes e Violências (SOUZA; JORGE, 2006) os maus tratos são capazes de produzir injúria, ferida, dor ou incapacidade. Tal violência representa o uso de força física desmoderado e inadequado geralmente embutindo a noção de poder e domínio que uma pessoa de mais idade, e geralmente mais forte, impõe a crianças e adolescentes. Ainda, está implícita a ideia de que a força física seria um meio para solucionar conflitos ou forma de educar ou ensinar determinado comportamento.
Por séculos a criança foi vista como propriedade dos pais e longe de serem sujeitos de direitos, de forma que eram aceitas diversas punições físicas a elas empregadas, o que se reflete ainda nos dias atuais, em que a família acredita ser detentora reconhecida do uso da violência física sobre os filhos. De forma contrária a tal visão, expressando um importante avanço social, é a tentativa de eliminação da utilização da punição física como método de aprendizagem. Um exemplo concreto deste avanço social, seria a aprovação da Lei “Menino Bernardo”, também conhecida como a “Lei das Palmadas” (Lei 13.010 de 2014), que altera a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), e estabelece o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante.
De acordo com o princípio da proteção integral, tanto a sociedade como o Poder Público devem ser responsáveis pela infância e adolescência e, para a efetivação desse direito, e visando garantir tal responsabilidade, o ECA preceitua que devem ser invioláveis a integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente (artigo 17 do Estatuto). Nesse mesmo sentido, preceitua também que todos deverão garantir a dignidade da criança e do adolescente, protegendo-os de tratamentos considerados desumanos, violentos, aterrorizantes, vexatórios ou constrangedores (artigo 18 do ECA).
Antes da aprovação da Lei 13.010/14, o Estatuto da Criança e do Adolescente elencava as medidas a serem tomadas nos casos de castigos físicos ou tratamento desumano, previstas em um rol no artigo 101. Porém o Estatuto não previa nenhuma medida de repressão desses atos na esfera administrativa. Além disso, a nova Lei trouxe as medidas emergentes a serem aplicadas pelo Conselho Tutelar e as Políticas Públicas que devem ser utilizadas para extinguir a violência infantil. Entretanto, ainda não existem Políticas Públicas válidas que busquem a criação e continuidade de programas profiláticos e de tratamentos para se combater a agressão física no ambiente doméstico contra crianças e adolescentes.
2.3.4 Violência Psicológica
A violência psicológica ocorre por meio de ofensas, depreciações, castigos abusivos e humilhações frente a terceiros. Os insultos podem ser decorrentes da aparência da criança ou de seu intelecto, sendo que expressões destinadas às crianças de forma a depreciá-las suprimem sua autoconfiança. Isso ocorre em situações de abandono também, em que os pais ignoram a criança ou adolescente, ou simplesmente são negligentes.
Em grande parte das relações dentro do âmbito familiar se constrói uma relação de força em que crianças e adolescentes, em razão de sua vulnerabilidade, são incompreendidos e humilhados, o que gera um sentimento de autodestruição.
A violência psicológica muitas vezes está coligada a outros tipos de violência, em que se destacam sinais de abuso e agressão. E não menos importante, por ser silenciosa, é a que mais prejudica crianças e adolescentes.
Frequentemente é considerada aceitável como prática educativa comum. A punição é vista principalmente pelos responsáveis como um direito inerente a eles para educarem os filhos. E isso atinge diretamente aos filhos, que não possuem a consciência de que estão sofrendo agressões, acreditando que estão sendo “corrigidos” e educados.
Pode-se entender assim, que também para a sociedade o adolescente geralmente não é considerado vítima de violência psicológica, por não ser “indefeso”. Mas ao contrário disso, a violência psicológica lhes atinge, desencadeando “uma desconstrução de valores e verdades estabelecidas, trazendo sérios prejuízos também para a autoestima do adolescente” (SÁ, 2001, p. 186, apud BIDARRA; GREGORIO, 2008, p. 11).
Desse modo, para se combater as práticas de violência é preciso intervir diretamente no núcleo familiar em que são mais recorrentes. Não basta apenas punir os agressores, pois é fundamental uma atenção destinada ao atendimento dos vitimados e de seus agressores.
2.3.5 Violência Sexual
A violência sexual está inserida como um tipo de violência devido ao dano tanto à sua integridade física, psicológica e moral. Além disso, é um tipo de violência difícil de ser constatado, pois na maioria das vezes ocorre dentro do lar em que a criança e o adolescente estão inseridos.
As causas que levam os pais ou responsáveis a cometerem os abusos são diversas, envolvendo problemas de ordem mental, dependência de drogas como o álcool e entorpecentes, além dos problemas de origem pretérita, em que esses adultos também foram vítimas de violência doméstica. Deve-se considerar também a estrutura das relações, dentre elas as relações de gênero (entre pai, padrasto, tios e crianças ou adolescentes do sexo feminino), relações de poder (entre adulto e criança), e ainda, a violência entre irmãos mais velhos e irmãos mais novos, sempre evidenciando hierarquia e opressão.
Como forma básica para tentar recuperar as vítimas de violência sexual e também suas famílias de origem ou famílias que venham a adotar crianças e adolescentes vitimados são necessárias ações da assistência social em apoio às políticas públicas do governo.
Crianças e adolescentes vítimas de violência sexual revelam indícios físicos, emocionais e de comportamento. Por isso deveria existir nos Sistemas Único de Saúde equipes preparadas para receberem vítimas de abuso sexual, além de encaminha-los para os serviços especializados.
Em grande parte dos casos as crianças e adolescentes vitimados são diagnosticados como portadores de doenças psiquiátricas, porém o que não se descobre ou se demora a perceber é que o distúrbio apresentado é consequência da violência sofrida.
3. Meios de Atenção à Criança e ao Adolescente
3.1. Conselhos Tutelares
O ECA vem a definir os Conselhos Tutelares no artigo 131, porém, o conceito mais detalhado está presente na Resolução 113/2006 do Conanda, no artigo 10, prevendo que o Conselho tutelar é o “órgão permanente autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelos direitos da criança e do adolescente”. Trata-se de um órgão dentro da estrutura da administração pública municipal que, além de desenvolver uma atividade de interesse social, de natureza protetiva, também possui a natureza jurídica administrativa. As funções do conselho não poderão ser delegadas a outros órgãos da administração pública, tendo em vista o seu caráter específico. Ademais, trata-se de um órgão autônomo, ou seja, não é sujeito aos demais poderes políticos. Isso não implica que não possa ser fiscalizado tanto pela sociedade como o Ministério Público. (SMANIO, 2007).
Os conselhos tutelares “são compostos unicamente por representantes do povo, sem que haja disponibilização de participação de representantes do governo” (ROSSATO, LÉPORE, CUNHA, 2012, p. 397). Possuem a função de, em nome da sociedade, garantir a efetivação dos direitos da criança e do adolescente. Deverão ser instalados dentro de cada município do País, não possuindo como parâmetro o número de habitantes da localidade, sendo de competência do próprio Município ou do Distrito Federal conceber e conservar tais conselhos.
A Lei n.º 12.696/2012 alterou o artigo 132 do Estatuto da Criança e do Adolescente e com isso, ficou prevista a existência de no mínimo um Conselho como órgão integrante da administração pública local, composto por cinco membros. Previu-se um mandato de 04 anos, permitindo-se uma recondução, mediante eleição. No entanto, para se candidatar ao Conselho, conforme previsto no artigo 133 do Estatuto da Criança e do Adolescente é necessário: “reconhecida idoneidade moral; idade superior a vinte e um anos e residir no município” (BRASIL. Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990).
É possível que haja previsão de lei municipal para a aplicação de uma prova de conhecimento sobre o direito da criança e do adolescente que deverá ser elaborada por uma comissão constituída pelo Conselho Municipal ou Distrital dos Direitos da Criança e do Adolescente.
As atribuições do Conselho Tutelar estão previstas no artigo 136 do ECA e denotam a importância do órgão para a execução de políticas de atendimento à criança e adolescente. Cabe ressaltar que sem a devida guia de acolhimento institucional emitida pelo Juízo Competente, o Conselho Tutelar não poderá, em nenhuma hipótese, enviar crianças e adolescentes para o acolhimento institucional. Todavia, ao entender que em determinado caso seja indispensável o afastamento do convívio familiar, o fato deverá ser encaminhado ao Ministério Público onde o Conselho informará sobre o caso e os motivos que o levaram opinar pelo afastamento e as medidas a serem tomadas para as diretrizes, apoio e a promoção social do familiar, cabendo assim, ao Ministério Público, formular o pedido ao Juiz. Cumpre notar que nos locais em que não há a devida instalação do Conselho Tutelar, todas as suas competências serão exercidas pelo Juiz da Infância e Juventude.
3.2. Acolhimento Familiar
A Lei Nacional de Adoção (Lei 12.010/2009) trata do acolhimento familiar e tendo em vista o disposto nessa lei, foi dada uma maior importância a esse programa que, do mesmo modo que a guarda e tutela, busca de modo temporário proteger a criança e o adolescente enquanto a família natural se reorganiza estruturalmente.
Diferente do que ocorre na “colocação familiar”, o acolhimento familiar concentra-se em aspectos inerentes à família, à criança e ao adolescente, buscando o regresso à família natural.
É possível afirmar que o acolhimento familiar surgiu como uma alternativa as instituições, de modo a integrar políticas sociais. Seu início em diversos países em épocas diferentes, nos Estados Unidos teve seu surgimento em 1910, enquanto que na Itália surgiu em 1980. Em diferentes países o acolhimento familiar foi instituído para condições próprias, como por exemplo, em casos de guerra e crises econômicas.
No Brasil, foi por volta do século XIX que o acolhimento e cautela das crianças e adolescentes que estavam vivenciando ocorrências de abandono ou orfandade se tornou uma preocupação pública. Assim, os asilos e a “Roda dos Expostos” (que se localizavam nas Santas Casas de Misericórdia), acolhiam as crianças que posteriormente eram encaminhadas para amas de leite, as quais, em contrapartida pelo cuidado dessas crianças, recebiam pagamentos. Aos três anos de idade, as crianças voltavam às instituições e eram divididas por sexo, etnia, mantidas longe de uma convivência comunitária.
As medidas adotadas na época foram significativas para o auxílio e proteção à infância, mas eram relatados casos de maus tratos, abuso dos cuidadores e altas taxas de mortalidade infantil, bem como um processo de orfanização das crianças abandonadas (RIZZINI; RIZZINI, 2004 apud, MARTINS, COSTA, FERREIRA, 2010, p. 1).
Concomitantemente ao acolhimento convencional ocorria também o denominado acolhimento informal, em que várias crianças e adolescentes se desenvolveram em casas de parentes ou pessoas com as quais não possuíam laços consanguíneos, mas por relações de “apadrinhamento”, em que a criança, sem regulamentação, por motivação exclusiva da família biológica, ia residir com outra família, que assumia o papel parental.
Importante considerar que o acolhimento familiar está de acordo com as normas de direito internacional, como a Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil no ano de 1990 e também vai ao encontro do disposto no artigo 19 do ECA, que prevê que criança e adolescente deverão ser mantidos em seus ambientes familiares, sendo que apenas em situações de extrema gravidade, a criança poderá ser encaminhada a uma família substituta, a se responsabilizar pelo cuidado da criança, de forma temporária.
A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 226 e 227, também ressalta a importância da família para o desenvolvimento da criança e do adolescente, ao preconizar o direito à convivência familiar e comunitária, bem como ao defender que a sociedade tem como base a família.
Em que pese o fato do acolhimento familiar não estar previsto no rol das entidades de atendimento contido no artigo 90 do ECA, este não é um rol taxativo, de forma que é possível a existência de instituições de atendimento que se responsabilizem pelo acompanhamento de medidas protetivas, de forma a auxiliar o judiciário a escolher famílias acolhedoras e lhe auxiliar.
A Política Nacional de Assistência Social visa proteger o direito previsto em lei, de forma a oferecer o acolhimento familiar como conduta da proteção integral a crianças e adolescentes juntamente com o acolhimento institucional. Busca-se assim, formas de garantir a convivência familiar e comunitária quando há o afastamento da família de origem, ainda que de forma provisória, mediante a ausência de alternativas que possibilitem manter a criança e o adolescente na família biológica e quando a família extensa não puder acolhê-los. (MARTINS, COSTA, FERREIRA, 2010)
Tal política destaca-se como mais uma alternativa de acolhimento à infância e juventude. Importante destacar os cuidados existentes para a retirada das crianças e adolescentes do seio familiar e seu desenvolvimento na família acolhedora. Primeiramente deverão ser considerados crianças e adolescentes que se encontram em situações de instabilidade social ou violência doméstica, de forma que seus direitos não estejam sendo efetivados, assim, é previsto que durante a permanência no acolhimento, deverá haver o acompanhamento da criança, bem como da família de origem e da família acolhedora, assegurando-se o bem-estar da criança tanto durante o período de acolhimento quanto no seu retorno ao seio familiar de origem.
Ressalta-se que a família acolhedora deverá voluntariamente se candidatar durante o processo de acolhimento, além de ser preparar para receber as crianças e adolescentes. Posteriormente, receberá a guarda provisória e em contrapartida terá a responsabilidade com o acolhido devendo manter todos os deveres de guardião, conforme disposto no artigo 34, § 2º, do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Destaca-se ainda que a família acolhedora irá guardar a criança ou adolescente apenas por um tempo provisório, visando futuramente a restituição deles à sua família de origem quando cessar a situação de risco e suprida a deficiência familiar.
3.2.1 Acolhimento Familiar na Prática
Para demonstrar a prática do acolhimento familiar no País, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), através dos promotores de Justiça da Infância e Juventude, realizaram inspeções dentre o período de março de 2012 a março de 2013 em 2.370 entidades de colhimento institucional e familiar, o que totaliza mais de oitenta por centro das instituições existentes no Brasil, sendo que do total dessas instituições, 2.247 são entidades de acolhimento institucional (que atendem 29.321 acolhidos) e 123 são de acolhimento familiar (que atendem 1.019 acolhidos).
Ainda foram levantados dados que demonstram que o Estado de São Paulo possui a maior rede de acolhimento institucional do tipo abrigo e com o maior número de atendidos, seguidos pelo Estado do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro.
Já na modalidade Casa-Lar, é possível constatar que a maior rede está no Paraná, seguido dos Estados de São Paulo e Minas Gerais. (ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DO CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, 2013).
O Estado de Santa Catarina por sua vez, merece destaque ao possuir 54 entidades que selecionam as famílias dentre as 123 visitadas pelo Ministério Público, representando 34,6% das entidades que oferecem esse tipo de serviço de acolhimento familiar no Brasil.
Segundo regulamentação do CONANDA as casas-lares deverão ser locais em que um educador ou cuidador residente deverá atender no máximo 10 crianças e adolescentes. Esses números buscam assemelhar as relações existentes nos abrigos e casas-lares às relações existentes no ambiente familiar.
Tal regulamentação ainda busca consonância ao atendimento personalizado e em pequenos grupos, ou seja, busca atender as crianças e os adolescentes conforme sua personalidade e características que lhe são inerentes, e ao olhar para eles como indivíduos únicos são considerados seus aspectos familiares o que facilita atenção especial às suas peculiaridades.
Foi verificado também que os principais motivos das crianças e adolescentes estarem nas instituições são: negligência, violência e abandono. A maior causa é a dependência dos pais ou responsáveis por drogas ou álcool, a segunda maior causa é o abandono, seguido de violência doméstica e abuso sexual.
Importante ressaltar que a maior parte dos abrigados são meninos na faixa etária entre 6 e 11 anos e meninas de 0 a 15 anos e 12 a 15 anos, que estão concentrados na região Sudeste, e os meninos também prevalecem como maioria nas casas-lares. Frequentemente são constatadas irregularidades nessas instituições, cerca de 30% acolhem crianças e adolescentes, porém sem guia expedida pela autoridade judiciária, contrariando o disposto no artigo 101, § 3º do ECA que prevê que o encaminhamento de crianças e adolescentes por determinação do Juiz competente através dessas guias. (ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DO CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, 2013).
Os dados demonstram também a deficiência das instituições no Brasil em que mais de 10 mil crianças e adolescentes permanecem mais de dois anos acolhidos (tempo superior previsto pelo ECA), com destaque para a região Nordeste que apresenta o maior número de crianças e adolescentes ultrapassando o tempo estipulado pela legislação. (ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DO CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, 2013).
Isso ocorre principalmente em razão da ausência de visitas dos pais e responsáveis dessas crianças e adolescentes, o que diminui a chance de reinserção na família e o aumento de tempo de permanência no programa de acolhimento. Ademais, segundo o ECA, a criança e o adolescente deverão passar por avaliações a cada seis meses de modo que cabe a autoridade judiciária competente, com base no relatório expedido pela equipe de acompanhamento, motivadamente decidir sobre a reintegração familiar ou a colocação da criança ou adolescente em família substituta.
Desse modo, o acolhimento familiar mostra-se como uma alternativa à institucionalização das políticas de proteção social e vem a calhar em um momento propício do país em que há diversos arranjos familiares, onde se percebe a existência de famílias monoparentais, famílias pluriparentais e famílias formadas por pares homoafetivos, aumentando o significado de pai e mãe, bem como de acolhimento familiar. (COSTA; FERREIRA, 2009). Pode-se arriscar dizer que as famílias acolhedoras complementam as famílias de origem, numa perspectiva positiva que substitui a prática cultural de internações presente no país, permitindo-se efetivar a convivência familiar e comunitária daqueles que serão acolhidos.
3.3 Acolhimento Institucional
Anteriormente conhecida como a antiga medida de abrigo em entidade, “o acolhimento institucional é uma exceção à regra e ao direito subjetivo da criança e do adolescente de ser criada no seio da família natural, como previsto no art. 9º da Convenção sobre os direitos da criança e no art. 19 do ECA”. (MELO, 2013, p. 473).
Segundo Rossato, Lépore e Cunha (2012, p. 318), o abrigo institucional é definido como:
“O serviço que oferece acolhimento provisório para crianças e adolescentes afastados do convívio familiar por meio de medida protetiva de abrigo, em função de abandono ou cujas famílias ou responsáveis encontrem-se temporariamente impossibilitados de cumprir sua função de cuidado e proteção, até que seja viabilizado o retorno ao convívio com a família de origem ou, na sua impossibilidade, encaminhamento para família substituta”.
Trata-se de instituições que tem o dever de zelar pela plenitude física e emocional de crianças e adolescentes que se encontrem em situação de vulnerabilidade, ou seja, que deixaram de ter proteção em seus direitos ou tiveram seus direitos violados.
Dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 101, parágrafo primeiro, que o acolhimento institucional é uma medida provisória e excepcional, ou seja, deverá ser utilizado depois de esgotada todas as alternativas devendo ainda, no caso de sua aplicação, ser fundamentada tal medida. Em que pese seu caráter excepcional, deve-se considerar que a regra é a promoção da família e os consequentes desafios para sua concretização, para que se possa manter a criança e o adolescente em sua família natural ou reintegrá-los, preferindo-se a sua família em relação a qualquer outra.
Como a medida é destinada às crianças que são expostas a situações de risco, há a intervenção Jurídico-Estatal para afastá-las de seus ofensores, buscando assim efetivar as normas do interesse superior destes sujeitos.
Segundo o Estatuto primeiramente deve-se buscar a inserção do ofendido na família extensa, considerada como aquela “que se estende por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e efetividade” (artigo 25, parágrafo único, do ECA). Desse modo é possível assegurar o mesmo vínculo afetivo e de afinidade, diminuindo o impacto e sofrimento causado com o afastamento familiar. Não sendo possível a inserção da criança e adolescente na família extensa, o ECA prevê ainda que existindo pessoas próximas como amigos da família, padrinhos, vizinhos e parentes distantes, que possuam disposição de assumir a responsabilidade, e desde que a criança ou adolescente seja ouvido, a guarda será transferida a eles. Cabe observar que neste caso, a guarda é temporária. Essa medida é tomada antes do acolhimento institucional por permitir um maior contato entre a família natural e a extensa, o que favorece o desenvolvimento da criança e do adolescente, também garantindo a convivência familiar. Evidencia-se, assim, que o acolhimento familiar é buscado antes de se decidir pelo acolhimento institucional.
Tal prática do acolhimento familiar deverá ser buscada como primeira alternativa em razão dos sérios prejuízos que meninos e meninas possuem ao serem abrigados como, por exemplo, carência afetiva, dificuldades para estabelecerem vínculos, baixa autoestima, atrasos no desenvolvimento psicomotor e pouca familiaridade com rotinas institucionais.
Além de ser uma medida excepcional, deverá ainda ser considerado seu caráter provisório, dado que a lei prevê que cabe ao Sistema de Garantia de Direitos guardar por esse segundo princípio, garantindo que a criança ou adolescente deverá retornar a família de origem.
Contudo, nos casos em que as crianças e adolescentes precisem permanecer apartados de suas famílias, estes devem encontrar nas instituições de abrigo um lugar de cuidado e proteção.
A decisão sobre o acolhimento institucional deverá ser tomada pelo Conselho Tutelar, que entendendo que o poder familiar deverá ser destituído, deverá comunicar ao Ministério Público, encaminhando à justificativa da necessidade do acolhimento. Caberá a partir dessa comunicação, o Ministério Público decidir se será ou não o caso de se processar os pais ou responsáveis, como previsto no artigo 249 do ECA.
O parágrafo único do artigo 101, do Estatuto da Criança e do Adolescente, diz que quando a criança ou adolescente forem acolhidos, deverá ser elaborado um plano individual de atendimento buscando futuramente a reintegração familiar, exceto nos casos em que a autoridade judiciária decidir por colocação em família substituta.
Cabe aos abrigos amparar aqueles que foram encaminhados para tal assistência, tanto em suas necessidades materiais quanto emocionais, educacionais e, inclusive, de saúde, disponibilizando a chance de convivência comunitária, além de dar apoio para que a família natural, se for o caso, tenha suporte para receber os filhos.
É fundamental que as entidades recebam pequenos grupos de crianças e adolescentes buscando uma maior atenção para cada um dos abrigados, atentando-se para suas histórias de vida. Embora o Estatuto da Criança e do Adolescente não possua previsão legal de quantas crianças e adolescentes deverão ser abrigados em cada entidade, em alguns locais do país, por ação dos Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente, preveem que deverão ser abrigados de 20 a 25 crianças e adolescentes por unidade de atendimento.
3.3.1 A Realidade dos Abrigos no Brasil
Segundo levantamento do IPEA, em 2005, as instituições de acolhimento institucional mostravam um perfil de entidades não governamentais, que na maioria das vezes eram guiadas pela religião e dirigidas por voluntários, dependendo de recursos próprios e privados para o exercício de suas funções. A pesquisa demonstrou que a maioria dos abrigados eram meninos e afrodescendentes, com a faixa etária de 07 e 15 anos.
No período da pesquisa, constatou-se que 32,9% viviam nos abrigos há 02 anos, enquanto 13,3% viviam por um período de 02 e 05 anos e 13,3% entre 06 e 10 anos. Isso implica dizer que os longos períodos de permanência nos abrigos acarretam em marcas irreversíveis em meninos e meninas, que fazem com que não possuam sentimentos de pertencimento, além das dificuldades futuras para adaptação e convívio tanto familiar quanto comunitário. (SILVA, 2004)
Os dados levantados revelaram também que a maioria dos abrigados possuíam famílias, porém apenas 58,2% mantinham vínculos com os familiares. Os três principais motivos que levaram as crianças e os adolescentes ao acolhimento institucional foram: carência de recursos materiais da família/responsáveis, abandono pelos pais/responsáveis e violência doméstica.
Ainda, quanto ao critério de número de abrigados, 66,9% dos abrigos atendiam até 25 meninos e meninas. No que tange ao entendimento de que as instituições de acolhimento institucional devessem se assemelhar a residências, apenas 8% atendiam aos quesitos previstos. (SILVA, 2004).
Dentre os serviços considerados necessários como ensino regular, assistência médica, atividades culturais, apenas em 6,6% dos abrigos havia todos esses serviços regulamentados e em funcionamento, enquanto que 80% concediam apenas um desses serviços.
De acordo com a pesquisa, foi possível concluir que embora existam instituições inseridas no propósito disposto pelo ECA, principalmente disciplinado pelo Princípio da Proteção Integral, por outro lado, há diversas formas de organizações dessas instituições, que muitas vezes infringem o Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda mais na previsão de que os abrigos deverão ser medidas excepcionais e provisórias e não de longa permanência. (SILVA, 2004).
A ausência da convivência familiar e comunitária dentro do abrigo deve-se a fatores relacionados à prática cultural dominante no país, pela qual entende-se muitas vezes que o local mais adequado deverá ser o abrigo, dificultando fortemente o direito à convivência. Tal posicionamento é muitas vezes abraçado tanto pelo Conselho Tutelar quanto pelo Judiciário, que deixam de se atentar para as outras medidas que deveriam ser preferencialmente adotadas em substituição à institucionalização de crianças.
4 Considerações Finais
A maneira como a proteção de crianças e adolescentes está positivada em nosso ordenamento jurídico é essencial, e garante que estes sejam vistos como sujeitos de direito, detentores de garantias e proteções especiais.
A Constituição Federal de 1988 é, sem dúvida, o marco para afirmação desses direitos que, por sua vez, foram particularmente reforçados por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990.
Para tanto, a Constituição de 1988 trouxe o status do Município como ente federativo e assim, conforme também disposto no ECA, tal ente passou a possui o dever de executar as políticas e programas de atendimento a criança e adolescente, juntamente com a União, para a efetivação dos direitos formalmente previstos.
Entretanto, embora esses direitos estejam positivados, ainda hoje no Brasil, principalmente dentro do ambiente familiar, crianças e adolescentes são vítimas de violência em suas diversas formas, bem como submetidos ao trabalho infantil. Nesta realidade, tanto o Conselho Tutelar quanto o Acolhimento Familiar e Institucional, são postos como alternativas para garantir proteção a crianças e adolescentes que vivenciam situações de vulnerabilidade.
Com tais alternativas, verifica-se o dever do Estado e o seu compromisso de intervir, inclusive no âmbito familiar, quando houver crianças e adolescentes vitimados. Tal possibilidade reforça a crítica a uma visão ultrapassada de opressão de adultos sobre crianças, e que outrora se justificava pela máscara da “educação”. É com este intuito, que o Conselho Tutelar, por exemplo, é instituído – com o objetivo de assegurar direitos, além de colocar crianças e adolescentes a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Entretanto, faz-se necessário reforçar que ainda há muito que caminhar. Na realidade concreta, embora tais programas existam e sejam absolutamente necessários, ainda persiste a inatividade dos direitos sociais, mostrando que a garantia legal nem sempre se realiza e se materializa na prática. Diante da impossibilidade das próprias crianças e adolescentes agirem em favor de seus direitos, seja pela ausência de discernimento, seja pelo não conhecimento, faz-se fundamental a busca pela efetivação de sua proteção, garantindo políticas públicas e programas legais eficientes.
Portanto, mais do que nunca, é essencial que os Municípios atuem de forma intensa, na fiscalização e destinação de verbas, a fim de efetivar o cumprimento do disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente, visando garantir proteção, educação e oportunidades à infância e juventude.
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