REVISTA SOCIOLOGIA JURÍDICA – ISSN: 1809-2721
Número 03 – Julho/Dezembro 2006
Editorial
Inicialmente, o número 03 da Revista Sociologia Jurídica foi idealizado com base na proposta de publicar, juntamente com os artigos tradicionalmente recebidos, o Dossiê Questões Penitenciárias. Assim sendo, não constituía nossa intenção publicar um número exclusivamente temático no momento. Entretanto, a oferta significativa de artigos de elevada qualidade nos impôs limites para manter a uniformidade em relação aos números anteriores. Por essa razão, o número 03 está comprometido com a temática do cárcere, das prisões em seus múltiplos e variados aspectos.
O ano de 2006 trouxe uma marca de visibilidade diferenciada para a “Questão Penitenciária”: não só a atuação do Primeiro Comando da Capital (PCC), sobretudo no Estado de São Paulo, provocou um olhar mais atento à realidade prisional – ainda que na maioria das vezes um olhar não crítico e científico –, mas, também, o processo eleitoral permitiu uma intensificação nos debates acerca do direito do voto do preso.
Não obstante isso, e a quantidade de matérias jornalísticas produzidas ao longo do ano, temos como tão válida atualmente, como há mais de 30 anos, a observação feita por Michel Foucault e seus colegas no Manifesto do GIP (Grupo de Informações sobre as Prisões), em 1971:
“Publicam-se poucas informações sobre as prisões; é uma das regiões escondidas de nosso sistema social, uma das caixas-pretas de nossa vida. Temos o direito de saber, nós queremos saber.[…]
Propomo-nos a fazer saber o que é a prisão: quem entra nela, como e porque se vai parar nela, o que se passa ali, o que é a vida dos prisioneiros e, igualmente, a do pessoal de vigilância, o que são os prédios, a alimentação, a higiene, como funcionam o regulamento interno, o controle médico, os ateliês; como se sai dela e o que é, em nossa sociedade, ser um daqueles que dela saiu”.
Essas informações, não é nos relatórios oficiais que as encontraremos.
O Dossiê Questões Penitenciárias, que compõe o número 3 da Revista Sociologia Jurídica, segue o espírito desta proposta – fazer saber o que é a prisão! – abrindo espaço para artigos que, na interface das ciências humanas e sociais com a questão penitenciária, possam tanto contribuir para desvelar este mundo tão permeado por grades (reais e simbólicas), como lançar novas perspectivas de enfrentamento do mesmo.
Por óbvio que este “Dossiê” não esgota nossa “necessidade de saber”, a emergência do desvelar e, tampouco, os caminhos a trilhar; contudo, como primeira contribuição temática da Revista Sociologia Jurídica, era imperioso que as questões penitenciárias fossem enfrentadas… a prisão se constitui não só como um marco da modernidade, mas também como um de seus principais desafios… desafiar as práticas de encarceramento significa desafiar a própria modernidade naquilo em que ela se caracteriza como uma sociedade excludente, uma sociedade de categorizações, de essencialidades e de negação do pluralismo… desafiar a prisão, a partir da interface das ciências sociais, significa, portanto, trazer contributos para alimentar novas práticas! Está, pois, a nossa principal expectativa.
O conjunto dos artigos que compõem esse Dossiê não se restringe às temáticas tradicionais sobre a prisão ou sobre os institutos de execução penal; avança para dar visibilidade a tópicos ainda pouco discutidos – àqueles que são invisibilizados na própria invisibilidade a qual é relegada a prisão; demos ênfase nas discussões de gênero, na perspectiva do voto do preso, nos estudos com base empírica, nas inovações que lançam possibilidades que devem ser estudadas, debatidas, pesquisadas, avaliadas em sua conveniência e adequabilidade ao contexto carcerário.
O trabalho de editoração deste “Dossiê” se encerra aqui, quando o disponibilizamos para o público leitor; a necessidade de diálogo, a emergência do saber e do desvelar, entretanto, permanece… e cada vez de forma mais intensa. Assim, se este é o momento de um “fechamento editorial” é, também, e sobretudo, o momento de mais uma tentativa de abertura – para o diálogo com os leitores, estudiosos e pesquisadores do tema – e de ruptura, com as próprias grades prisionais e acadêmicas!
Na condição de editores deste Dossiê, agradecemos a todos que contribuíram em sua concretização (autores, pareceristas etc.). Na condição de acadêmicos e pesquisadores da área penitenciária, reafirmamos nosso compromisso científico e crítico de enfrentá-la em seus paradoxos e ambiguidades, pois, seguindo a fala de Julita Lemgruber:
Enquanto não for possível nos livrarmos desse equívoco histórico que é a pena de prisão, não podemos, simplesmente, ficar de braços cruzados. Homens e mulheres são condenados à prisão todos os dias e não acredito que procurar minorar o sofrimento dessas pessoas corresponda a legitimar a ideologia o aprimoramento do sistema prisional para continuar legitimando seu uso, com a justificativa hipócrita de que os infratores vão para as prisões para serem “ressocializados”. A posição advogada aqui é muito diversa. (LEMGRUBER, Julita. Cemitério dos vivos: análise sociológica de uma prisão de mulheres. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999,p.161)
José Eduardo Azevedo – Editor do Dossiê Questões Penitenciárias
Luiz Antônio Bogo Chies – Editor do Dossiê Questões Penitenciárias
Roberto Barbato Jr – Editor da Revista Sociologia Jurídica
As opiniões, conceitos e referências bibliográficas emitidos nos artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade dos autores.
Artigos
À espera da liberdade: um estudo sobre o envelhecimento prisional – Suelma Inês Alves de Deus
Um panorama sobre o Sistema Penitenciário Paranaense – Regina Campos Lima & Sandra Regina de Abreu Pires
A prisão como castigo, o trabalho como remição – contradições do Sistema Penitenciário Paranaense – Silmara A. Quintino
Mães e crianças atrás das grades – Rosangela Peixoto Santa Rita
Procedimentos Disciplinares da Execução Penal: práticas inquisitórias – Roberta Zurlo
Objetivos educacionais e objetivos da reabilitação penal: o diálogo possível – Roberto da Silva & Fábio Aparecido Moreira
O direito de voto dos presos – Rodrigo Tönniges Puggina
A natureza da qualidade: considerações acerca das diferenças de gênero no trabalho prisional – Natália Corazza Padovani
Estudo analítico-descritivo acerca da efetividade do direito à defesa das detentas da Penitenciária Feminina Madre Pelletier – Márcia Elayne Berbich de Moraes & Marcelo Dalmás Torelly
Cor, escolaridade e prisão: um estudo sócio-jurídico do fenômeno da reincidência criminal – Elisa Torelly, Mayara Silva & Lígia Mori Madeira
O voto do preso: a cidadania emergente dos direitos humanos – João Paulo Rodrigues Damiani
A condição do aprisionamento e as possibilidades de construção da identidade social: a Penitenciária Lemos Brito – Edna Del Pomo de Araujo, Bruno Moreira Pinto & Leandro Mangia Rodrigues