Crianças e adolescentes negros: reflexos de uma discriminação velada

REVISTA SOCIOLOGIA JURÍDICA – ISSN: 1809-2721

Número 09 – Julho/Dezembro 2009

Crianças e adolescentes negros: reflexos de uma discriminação velada

Fernanda da Silva Lima: Mestranda no Curso de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (CPGD/UFSC), Graduada em Direito (UNESC). Pesquisadora do Núcleo de Estudos Jurídicos e Sociais da Criança e do Adolescente (NEJUSCA/UFSC).

E-mail: felima.sc@gmail.com

Josiane Rose Petry Veronese: Doutora em Direito (CPGD/UFSC), Mestre em Direito (CPGD/UFSC), Graduada em Direito (CCJ/UFSC). Professora no Curso de Graduação e Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, Coordenadora do Núcleo de Estudos Jurídicos e Sociais da Criança e do Adolescente (NEJUSCA/UFSC). É coordenadora do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina.

E-mail: jpetryve@uol.com.br

Resumo: O Direito da Criança e do Adolescente é um ramo jurídico autônomo e tem como principais normativas a Convenção Internacional dos Direitos da Criança de 1989, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente, aprovado pela Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990. Todas essas normativas têm a prerrogativa de promover uma proteção integral aos direitos de crianças e adolescentes, reconhecendo-os como sujeitos de direitos e pessoas em estado peculiar de desenvolvimento. O Direito da Criança e do Adolescente veda a discriminação racial, mas não propõe medidas específicas de combate a essa discriminação. Assim este estudo tem por objetivo compreender o contexto histórico e jurídico que se encontram as crianças e adolescentes negros, bem como reconhece a necessidade de investimento em políticas públicas para a real efetivação dos direitos de crianças e adolescentes negros. A pesquisa utilizou método indutivo em análise interdisciplinar crítica e reflexiva da realidade envolvendo pesquisa bibliográfica e documental.

Sumário: 1. Introdução; 2. A doutrina jurídica do “Direito do Menor” e do “Menor em Situação Irregular”; 3. A doutrina jurídica da proteção integral: crianças e adolescentes como sujeitos de direitos; 4. Reflexos de uma discriminação velada: a situação de crianças e adolescentes negros no Brasil contemporâneo; 5. Conclusão; 6. Referências. 

Palavras-chave: Crianças e adolescentes negros; Doutrina da proteção integral; Políticas públicas.

Abstract: The Right of the Child and Adolescent is an autonomous branch legal and has a major regulatory The International Convention on the Rights of the Child of 1989, the Constitution of the Federative Republic of Brazil in 1988 and the Statute of the Child and Adolescent approved by Law n. 8,069, 13 July 1990. All these standards is the prerogative of fostering a full protection to the rights of children and adolescents, recognizing them as subjects of rights and people in peculiar state of development. The Right of the Child and Adolescent prohibits racial discrimination, but does not propose specific measures to combat such discrimination. Thus the search aims to understand the historical and legal context that are black children and adolescents and recognize the need for investment in public policies for the real effect of the tights of children and adolescents blacks. The search method used deductive analysis in interdisciplinary and critical reflective of reality involving literature search and documentary.

Keywords: Child and Adolescent blacks; Doctrine of the Integral Protection; Public Policy.

  1. Introdução

Primeiramente é necessário reconhecer o Direito da Criança e do Adolescente como um ramo jurídico autônomo, o qual tem sua origem nas Declarações e Convenções Internacionais que desde o início do século XX clamavam por melhores condições à infância e adolescência, justamente porque no plano internacional, já se vislumbrava que o período infanto-juvenil deveria ser considerado como uma fase especial de desenvolvimento e carecedor de uma proteção especial.

No Brasil a conquista por direitos às crianças e adolescentes ocorreu, sobretudo, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, representativa da redemocratização do país. Esta importante Carta Política incorporou em seu texto normativo os princípios basilares da doutrina da proteção integral. A partir do ano de 1990 entrou em vigor no ordenamento jurídico brasileiro o Estatuto da Criança e do Adolescente, lei infraconstitucional que reúne em um único texto os direitos fundamentais das quais crianças e adolescentes são titulares e os mecanismos legais capazes de efetivá-los.

O Direito da Criança e do Adolescente adota os princípios da Universalização do atendimento e da Não-Discriminação, ou seja, os direitos devem ser concretizados para todas as crianças, sem distinção de raça, cor, sexo e origem. Todos os instrumentos jurídicos aplicáveis especificamente ao Direito da Criança e do Adolescente vedam a discriminação racial, porém não criam mecanismos específicos de combate à discriminação racial.

Este artigo tem a finalidade de, além de situar a criança e o adolescente negro na historiografia brasileira, reconhecer a imprescindibilidade do investimento em políticas públicas para a concretização dos direitos de crianças e adolescentes negros.

Assim este estudo tem por objetivo compreender o contexto histórico e jurídico que se encontram as crianças e adolescentes negros, bem como reconhece a necessidade de investimento em políticas públicas para a real efetivação dos direitos de crianças e adolescentes negros.

  1. A doutrina jurídica do “Direito do Menor” e do “Menor em Situação Irregular”

Não é possível retratar a condição social de crianças e adolescentes negros atualmente no Brasil, sem resgatar a historicidade vivida durante a manutenção do regime escravocrata, da qual muitas crianças e adolescentes também foram protagonistas. A escravidão enquanto modelo político e econômico teve vigência no país por mais de três séculos, sendo abolida legalmente apenas em 1888.

A escravidão é representativa das mais variadas formas de violência e legitimou o tratamento desumano à milhares de negros africanos que chegavam ao Brasil seqüestrados do continente Africano. Os negros que aqui chegavam logo foram transformados em objetos de produção para almejo de riquezas e consequentemente para desenvolvimento do país.

A transição do século XIX para o século XX veio acompanhada de algumas mudanças significativas, como a troca do sistema servil para o trabalho assalariado e a deposição da monarquia para a instalação da República. E nesse caso,

O escravismo, superado há apenas quatro gerações, também deixou diversas expressões evidentes. Está presente em formas latentes de segregação racial, na normalidade com que encaramos a brutal distância social que separa os brasileiros, na desvalorização cultural do mundo do trabalho e no baixíssimo grau de solidariedade das elites em relação a um povo do qual, de forma mais ou menos explícita, não se consideram uma parte.[1]

Por isso diz-se que para os negros, o período pós-abolição continuou tão perverso e violento nas suas variadas formas de exclusão quanto a própria escravidão. Mesmo as crianças e os adolescentes negros que viviam com suas famílias ou até mesmo os órfãos e desamparados, enfrentaram condições extremamente difíceis para sobrevivência, sendo sugados como mão-de-obra barata pelas fábricas. O trabalho assalariado serviu como única alternativa de dignidade humana que as populações negras poderiam ter depois de séculos de escravidão, não poupando, nesse caso, crianças e adolescentes.

A falta de investimentos do Estado em políticas sociais públicas para a melhoria da condição de vida de crianças e adolescentes impediu a criação de mecanismos de proteção eficazes à infância, capazes de considerar a sua situação enquanto pessoa em desenvolvimento. No decorrer da história verificou-se que as alternativas encontradas para a proteção da infância derivavam do assistencialismo estatal evidenciado nas instituições que abrigavam o sistema da Roda dos Expostos, da caridade cristã e da filantropia privada.[2]

Portanto, as primeiras décadas do século XX no Brasil vieram acompanhadas por profundas mudanças nos setores sociais e econômicos. A entrada maciça de imigrantes europeus entre as décadas de 1930 e 1950 teve como objetivo principal embranquecer a população e assim conduzir o país ao tão almejado crescimento econômico nos mesmos moldes dos países europeus. Nesse sentido, houve a tentativa de mandar os negros de volta à África[3], pois de acordo com a concepção eurocêntrica, eram considerados seres inferiores, vadios, preguiçosos, incapazes de trabalhar em prol do progresso do país.[4] Entretanto, graças a um processo de resistência impetrado pelos próprios negros, esse feito não foi possível.

As principais cidades brasileiras, como São Paulo e Rio de Janeiro estavam no auge do crescimento econômico e industrial, mas tiveram que enfrentar ao mesmo tempo um crescimento habitacional acentuado e desordenado. Viveu-se no país, pela primeira vez, uma condição em que a moradia tornou-se um problema nas suas principais capitais. Muitas pessoas habitavam conglomerados urbanos em periferias e a mão de obra tornou-se demasiadamente maior que as ofertas de trabalho.

A infância empobrecida e abandonada mereceu uma atenção especial do Estado, que assumiu para si a responsabilidade de tutelar essas crianças e adolescentes, impondo a eles a sua autonomia através das práticas da institucionalização. CUSTÓDIO afirma que

Nos primeiros anos do século XX são criadas diversas iniciativas públicas e privadas de atenção à criança, seja pela influência européia decorrente da descoberta da infância, seja pela própria necessidade do Estado em oferecer resposta a uma constante pressão social de uma enorme massa de excluídos, considerados como obstáculos reais ao ideário positivista da ordem e do progresso.[5]

Essa realidade caótica permitiu a criação de novas leis e decretos que regulamentassem a situação das crianças em situação de abandono através das práticas de institucionalização como alternativa para diminuir a incidência de crimes. Sob o argumento de que as crianças pobres e desamparadas seriam possivelmente criminosas na fase adulta, foram criados diversos institutos disciplinares, capazes de amparar os “menores” abandonados e delinqüentes e assim, reeducá-los e (re)inseri-los na sociedade mediante a pedagogia do trabalho.[6]

Os intelectuais da época, impulsionados pelos ideais progressistas e nacionalistas, concluíram que assistir uma criança não significava somente dar-lhe casa e comida. Fazia-se necessário que as instituições formassem o indivíduo na moral, bons costumes, educação elementar e que lhe fornecessem ainda uma capacitação profissional, a qual mais tarde lhe permitiria o seu próprio sustento.[7]

O primeiro Código de Menores da República, idealizado pelo juiz José Cândido de Albuquerque de Mello Mattos, entrou em vigor no dia 12 de outubro de 1927, através da edição do Decreto nº 17.934-A. O Código de Menores de 1927 consolidou as leis de assistência e proteção aos menores até então existentes e classificou as crianças e adolescentes em situação de abandono ou de delinqüência com o rótulo da menoridade.

A proposta de Mello Mattos foi intensificar a atuação do Estado frente aos problemas dos “menores”, em que tirá-los das ruas e dos ambientes viciosos significava livrá-los de uma vida adulta pautada pela marginalidade. Por isso, os menoristas da época acreditavam que isolando as crianças e os adolescentes em institutos correcionais conseguiriam moldá-los aos padrões sociais e reconstituir sua identidade, formando futuros trabalhadores para a pátria.

O Código de Menores de 1927 procurou combater os efeitos da delinqüência infanto-juvenil, perseguindo e institucionalizando crianças e adolescentes ao invés de criar mecanismos que efetivamente fossem capazes de atuar nas causas da carência infantil.

Visava-se o atendimento da população infanto-juvenil que já havia sido abandonada ou que já cometera alguma infração; não existia a preocupação com o estabelecimento de políticas públicas preventivas que pudessem evitar – ou ao menos suavizar – os efeitos maléficos da desigualdade oriunda da implantação do modo de produção capitalista-industrial. Daí porque se afirmar que o Código de Menores de 1927 buscava combater os efeitos e não as causas dos problemas que afetavam a vida de crianças e adolescentes.[8]

Meses após o Golpe de Estado que coloca os militares no poder é aprovada a Lei nº 4.513, de 1º de dezembro de 1964 que resultou na implantação da Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM). A PNBEM criou a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM) que deveria trocar a lógica repressiva dos institutos correcionais para uma perspectiva educacional. A FUNABEM teve como correspondente estadual as Fundações Estaduais do Bem-Estar do Menor (FEBEM), criadas em muitos Estados brasileiros.

Não houve mais a responsabilidade de assistência aos menores pelas entidades privadas e organismos estatais regionais. A PNBEM foi uma política centralizadora para a infância e adolescência e estava atualizada com os segmentos do governo e em plena sintonia com a doutrina da segurança nacional.

Num mundo de exclusões econômicas, interdições de prazeres e ilegalidades do tráfico, a prisão e o internato representam um novo circulo de vítimas formado por condenados pela justiça, ampliando desta maneira, o círculo de compaixões. Em nome da suposta integração social, da ordem, da educação, da disciplina, da saúde, da justiça, da assistência social, do combate ao abandono e a criminalidade, as ações se revezam para consagrar os castigos e as punições em um sistema de crueldades. Se é sabido que a prisão não educa ou reintegra adultos infratores, ela não deveria servir de espelho para educação de jovens ou para sequer corrigir-lhes supostos comportamentos perigosos.[9]

É nesse cenário, que anos mais tarde o Código de Menores de 1979 foi aprovado pela Lei nº 6.697, de 10 de outubro de 1979. O novo código revogou o antigo Código de Mello Mattos e não procurou tutelar apenas a questão dos abandonados e delinqüentes. O Código de Menores de 1979 adotou a Doutrina da Situação Irregular e criou uma nova categoria para os menores em seis situações distintas, quais sejam aqueles que se encontravam em situação de abandono, vítimas de maus-tratos, em perigo moral, desassistido juridicamente, com desvio de conduta e autor de infração penal.[10]

De fato, a mudança do diploma legal, pouco alterou a situação decadente vivida pela infância brasileira. O Código de Menores de 1979 não foi capaz de suprir, assim como, manteve os mesmos erros cometidos pelo Código de Menores de 1927.

Durante a vigência do Código de Menores de 1979 foram intensificadas no Brasil diversas pesquisas científicas sobre a situação da infância brasileira. Nessa abordagem verifica-se que raramente as pesquisas eram voltadas para questões étnicas. Entretanto, a análise da historiografia da infância brasileira remete a refletir quem eram as crianças que viviam sob a tutela dos Códigos de Menores e qual era a sua cor.

Alguns dados sugerem que as crianças internadas nos institutos correcionais consistiam em uma minoria incluída na categoria “branca”. Essa afirmativa reforça a tese de que a criança e o adolescente negro representavam os estratos mais baixos da sociedade, sendo também os principais “clientes” ou vítimas do sistema menorista implantado pela doutrina jurídica do direito do menor e do menor em situação irregular.[11]

  1. A doutrina jurídica da proteção integral: crianças e adolescentes como sujeitos de direitos

Diversos instrumentos internacionais[12] são representativos da luta por melhores condições de vida e proteção aos direitos da população infanto-juvenil. É oportuno registrar que além de dar uma atenção especial aos direitos de crianças e adolescentes, as normativas internacionais também têm em comum a preocupação com a não discriminação fundada na raça, sexo, origem, cor e reconhece os seres humanos como livres e iguais em atenção ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Na área da infância, a Declaração dos Direitos da Criança de 1959 e a Convenção Internacional dos Direitos da Criança de 1989[13], das quais o Brasil é signatário, trazem em seus textos normativos a proteção de crianças contra todos os atos que possam dar lugar a qualquer forma de preconceito, racismo ou discriminação racial.[14]

Pode-se considerar que a Convenção Internacional dos Direitos da Criança de 1989 é o instrumento legal em âmbito internacional mais representativo das conquistas e direitos implementados em favor da infância e juventude.

O trabalho de elaboração desse documento jurídico internacional estendeu-se por dez anos, contemplando representantes dos quarenta e três Estados-membros da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, sendo que a sua expedição se deu justamente quando se comemoram os trinta anos da Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959.[15]

A Convenção Internacional dos Direitos da Criança é composta por 59 artigos que dispõem sobre os mais variados temas inerentes à infância, disciplinando sobre o seu desenvolvimento, o direito a convivência familiar e comunitária, direito à vida, à liberdade e a vedação a qualquer forma de discriminação, exploração, abusos e opressão. A citada Convenção reconhece como criança toda pessoa com menos de 18 anos de idade, salvo exceções legais, em que se reconheçam a maioridade antes desse período (art. 1º).

A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança seguindo os preceitos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos pactos internacionais de direitos humanos, também reafirma a proibição de discriminação racial em face da proteção de direitos à infância, guiados por princípios basilares como a liberdade, a justiça e a paz, conforme disposição do art. 2º:

Os Estados Partes respeitarão os direitos enunciados na presente Convenção e assegurarão sua aplicação a cada criança sujeita à sua jurisdição, sem distinção alguma, independentemente de raça, cor, sexo, idioma, crença, opinião política ou de outra índole, origem nacional, étnica ou social, posição econômica, deficiências físicas, nascimento ou qualquer outra condição da criança, de seus pais ou de seus representantes legais[16].

Portanto, cabe aos Estados resguardar os direitos das quais as crianças são titulares e proporcionar medidas cabíveis com a finalidade de evitar qualquer violação aos seus direitos. A Convenção de 1989 adotou a Doutrina da Proteção Integral e contemplou uma série de novos direitos à população infanto-juvenil, reconhecendo-os como sujeitos de direitos.

No Brasil é somente a partir da década de 1980 que segmentos da sociedade civil se organizaram para dar um basta as mais diversas formas de violências sofridas por crianças e adolescentes.  Os novos movimentos sociais, portanto, são responsáveis diretos na ruptura com a cultura do direito menorista, dentre eles destacam-se a Pastoral do Menor, o Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua (MNMMR) e o Movimento Criança Constituinte.

MARCÍLIO aponta que no ano de

[…] 1987 constituiu-se a Comissão Nacional da Criança e Constituinte, instituída por portaria interministerial e por representantes da sociedade civil organizada. Criou-se a Frente Parlamentar Suprapartidária pelos Direitos da Criança e multiplicaram-se por todo o país os Fóruns de Defesa da Criança e do Adolescente. Foram estes esforços conjugados do governo e da sociedade civil que garantiram a redação dos três artigos da Constituição de 1988 que defendem os direitos da criança.[17]

A Constituição da República Federativa do Brasil foi promulgada em 5 de outubro de 1988 e reservou um espaço importante no Capítulo VII para tratar especificamente da família, da criança e do adolescente nos artigos 226, 227 e 228. O art. 227[18] confere a crianças e adolescentes o status de sujeitos de direitos e retira do poder Estatal a tutela exclusiva sobre as crianças e adolescentes e atribui uma responsabilidade compartilhada à família, ao Estado e à sociedade para zelar em conjunto pela promoção e concretização de direitos de crianças e adolescentes. Por óbvio, a prioridade absoluta no atendimento aos direitos de crianças e adolescentes assenta-se na fase especial que se encontram enquanto pessoas em desenvolvimento.

Paralelo aos direitos e garantias conquistados para a população infanto-juvenil, a Constituição Federal de 1988 também é representativa das conquistas dos movimentos negros de todo o país que se mobilizaram a partir da década de 1970 para promover a igualdade racial. A Constituição Federal trouxe alguns dispositivos importantes, assegurando os direitos e garantias individuais e igualitárias a todas as pessoas sem distinção de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 1º, IV e art. 5º caput da CF/88). A Lei nº 8.081, de 21 de setembro de 1990 definiu os crimes e as penas aplicáveis aos atos discriminatórios ou de preconceito racial.

Isto posto, no tocante ao Direito da Criança e do Adolescente é importante salientar a relevância que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 ao normatizar

[…] as diretrizes para a concretização de um Estado Democrático de Direito, o qual, à vista dos princípios elencados em seu art. 1º, não se comprometeu apenas com a democracia política, mas também com uma democracia social, visando a uma progressiva melhoria nas condições de vida dos brasileiros e, neste sentido, não poderia deixar de ampliar as normas referentes a suas crianças e adolescentes, conduzindo-os a uma proteção integral, impondo a participação da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, dos pais, bem como da sociedade como um todo.[19]

Quase dois anos após a promulgação da Carta Política entrou em vigor uma lei específica voltada para a concretização e promoção dos direitos da criança e do adolescente no Brasil, a Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente. O Estatuto da Criança e do Adolescente atende a população infanto-juvenil de maneira igualitária, sem discriminação de sua condição social, de gênero, de raça e cor e considera criança aquela pessoa entre 0 e 12 anos incompletos e adolescente a pessoa entre 12 e 18 anos. Essa diferenciação deve-se ao fato de crianças e adolescentes estarem em estágios de desenvolvimento diversos.

Quando a legislação pátria recepcionou a Doutrina da Proteção Integral fez uma opção que implicaria num projeto político-social para o país, pois ao contemplar a criança e o adolescente como sujeitos que possuem características próprias ante o processo de desenvolvimento em que se encontram, obrigou as políticas públicas voltadas para esta área a uma ação conjunta com a família, com a sociedade e o Estado.[20]

Esta opção implica diretamente no investimento em política sociais públicas e/ou privadas que dêem conta de atender a população infanto-juvenil de maneira igualitária na totalidade de suas necessidades. É importante para isso que sejam criados órgãos e entidades de atendimento, aprimorar os setores como saúde, educação, habitação, saneamento, e outros. Investir no fortalecimento dos órgãos que compõem diretamente o sistema de garantia de direitos – Conselhos Tutelares, Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, Fóruns de Direito da Criança e do Adolescente. Portanto, torna-se imprescindível a realização de ações que envolvam a sociedade, a família e o poder público.

Entende-se que seja necessário fortalecer o sistema de justiça, representado principalmente pelo Ministério Público, Justiça da infância e Juventude, defensoria pública, as delegacias especializadas, bem como seria extremamente oportuno que fossem montados nos municípios, os Centros de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Além disso, é importantíssimo que os profissionais que trabalharão com crianças e adolescentes, de forma direta ou não, tenham pleno conhecimento do Direito da Criança e do Adolescente e que consigam trabalhar sob a ótica da proteção integral, respeitando os preceitos enunciados na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Infelizmente, em um país cercado das mais diversas desigualdades sociais (e raciais) proteger os direitos de crianças e adolescentes é tarefa bastante árdua. Não há que se falar em promoção e proteção aos direitos infanto-juvenis sem o investimento necessário em políticas sociais e sem qualificar os profissionais que enfrentam as mais diversas violações e negligências à infância diariamente. Isso serve também para a criança e o adolescente negro, que carecem de uma política social própria, para que passem a ter, efetivamente, assegurados os seus direitos fundamentais como demonstra a última parte deste artigo.

  1. Reflexos de uma discriminação velada: a situação de crianças e adolescentes negros no Brasil contemporâneo

É importante compreender a partir dos estudos dos indicadores sociais sobre a desigualdade, que a população negra encontra-se mergulhada e estagnada numa posição social inferior, frente a outros grupos sociais que compõem a sociedade brasileira.

Os indicadores sociais publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, no ano de 2008, com base nas informações prestadas pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, obtidos durante o ano de 2007 (em todo território nacional) apontam que em números absolutos tinha-se no ano de 2007 cerca de 14 milhões de analfabetos brasileiros e que desses quase 9 milhões correspondiam a população de pretos e pardos, o que comprova que para os grupos sociais negros essa situação continua extremamente grave, principalmente porque a população negra corresponde a quase metade da população brasileira[21].

“Em termos relativos, a taxa de analfabetismo da população branca é de 6,1% para as pessoas de 15 anos ou mais de idade, sendo que estas mesmas taxas para pretos e pardos superam 14%, ou seja, mais que o dobro que a de brancos.” (IBGE, 2008, p. 211) Importante registrar que

[…] o analfabetismo é um fator de marginalização, que exclui e impede a mobilidade social da criança, do jovem, do homem e da mulher. As elevadas taxas de analfabetismo que ainda subsistem em diversas áreas é um indicador de exclusão de expressivas camadas da população mundial e refletem as dificuldades enfrentadas pelos governos para erradicação deste sério problema.[22]

Em relação às pesquisas anteriores desenvolvidas pela PNAD é possível concluir que a média de anos de estudo da população com 15 anos ou mais de idade continua a apresentar uma vantagem em torno de 2 anos para a população branca que apresenta 8,1 anos de estudos enquanto que a população negra é de 6,3 anos. Mesmo compreendendo que a educação[23] não é a única alternativa que assegure mobilidade social entre os grupos sociais no país, é inegável constatar que os indicadores sociais no campo da educação refletem bem a dimensão e o nível de desigualdade social entre os diferentes grupos sociais, nas quais os grupos sociais negros encontram-se visivelmente em posição desprivilegiada.

Inegável também é, portanto, atribuir esse processo de desigualdade social que atinge a população negra aos fenômenos do racismo, do preconceito e da discriminação racial, que inclusive alcançam crianças e adolescentes. Pensar numa política social para o país que contemple especificamente crianças e adolescentes negros é imprescindível a partir do momento que se verifica que as políticas universais não dão conta de melhorar significativamente a vida de milhares de crianças e adolescentes negros, afrontados diariamente na sua cidadania.

Em termos normativos a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente[24] vedam a discriminação racial, porém não criam ou dão condições específicas de combate a essa forma de discriminação.

A Doutrina da Proteção Integral também contempla de forma igualitária às crianças e adolescentes negros, porém no campo social percebe-se o quanto as normas específicas voltadas ao Direito da Criança e do Adolescente, assim como o próprio texto constitucional são imensamente violadas. Por isso, este estudo é imprescindível para que seja possível construir ou materializar ações voltadas especificamente para crianças e adolescentes negros não incluídos e marginalizados socialmente.

Realizado o registro histórico do Direito da Criança e do Adolescente inserindo aí a criança e o adolescente negro como protagonistas e, portanto, novos sujeitos de direitos, deve a Convenção Internacional dos Direitos da Criança de 1989, assim como a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente promover e concretizar os direitos também das crianças e adolescentes negros. Obviamente o Direito da Criança e do adolescente não faz distinções conforme o princípio da universalização que pressupõe tratamento adequado e equitativo para todas as crianças e adolescentes.

No entanto, o Direito que supera a sua fase de neutralidade própria do pensamento liberal e da corrente juspositivista, abre-se para uma nova teoria – neoconstitucional ou pós-positivista[25]. E isso implica em afirmar que as constituições democráticas, como a brasileira, têm força normativa para buscar a justiça social e se for necessário, de forma pragmática, atuar de forma coercitiva para o investimento em políticas sociais públicas para obtenção dos direitos violados ou ainda para atuar na prevenção ou ameaça de violação aos direitos fundamentais.

É necessário posicionar o Direito da Criança e do Adolescente em conformidade com a teoria neoconstitucional com a finalidade de buscar na Doutrina da Proteção Integral a real efetivação e concretização dos direitos de crianças e adolescentes no Brasil. Parte-se do pressuposto de que a concretização dos direitos à população infanto-juvenil perpassa pelo investimento do Estado em políticas sociais básicas, e de outro modo, necessita da prestação da tutela jurisdicional, enquadrando nas decisões jurídicas a fundamentação não mais apenas pelo viés juspositivista, mas pautado pela busca de equidade e justiça social compatível com a nova teoria neoconstitucional.

Do mesmo modo, percebe-se que as preocupações centrais da Convenção Internacional dos Direitos da Criança focaram também em assegurar que os Estados-membros aderissem a certas medidas e investissem em políticas sociais capazes de proporcionar a população infanto-juvenil melhores condições de vida, melhores condições de desenvolvimento, sadio e harmonioso e zelar pelo cumprimento integral dos seus direitos, sem qualquer tipo de violação. A tutela da infância e adolescência sob esse novo instrumento jurídico pretendeu estender o respeito a sua condição de pessoa humana e a sua vulnerabilidade infantil.

Importante ressaltar que os estados-membros que se propuseram a ratificar a Convenção Internacional têm o dever de criar mecanismos que resguardem os direitos infanto-juvenis e sua implementação. Não basta apenas ratificar a Convenção, tem-se que torná-la legalmente eficaz.

[…] o estado ratificante assume a obrigação de implementar a CDC de maneira progressiva e plena, em particular com respeito aos direitos sociais, econômicos e culturais. A velocidade e a amplitude desta implementação progressiva variam significativamente entre um e outro Estado. Esse progresso não deve, e não pode, ser medido somente em termos estatísticos. Também devem ser considerados aspectos menos fáceis de quantificar, que eu denomino como a criação de uma cultura de respeito aos direitos humanos para com a infância.[26] (DOEK, 2007, p. 16)

Portanto, a universalização no atendimento aos direitos de crianças e adolescentes não se materializa de forma equitativa no campo das relações raciais, como prevêem os instrumentos normativos. Não basta apenas normatizar vedando a discriminação fundada na raça ou na cor, é necessário o investimento em políticas sociais que verdadeiramente satisfaçam esses novos direitos. Se as normativas reconhecem que é necessário vedar qualquer forma de discriminação, logo se admite que há ou deve haver relações de discriminação racial na sociedade brasileira.

Por isso, medidas urgentes devem ser pensadas com a finalidade de equilibrar as relações raciais entre crianças e adolescentes no país. O Direito da Criança e do Adolescente reconhece a valorização das diferenças e veda qualquer ato que expresse discriminação na garantia e concretização dos direitos infanto-juvenis.

Nesse sentido, é possível afirmar que, somente quando se assume os problemas pelos quais enfrentam a sociedade é que se torna possível buscar alternativas viáveis capazes de reverter essa situação. Como alternativa para romper com os índices desiguais é imprescindível que o Estado e a sociedade civil trabalhem em conjunto para desmistificar a democracia racial no Brasil, assim como a desigualdade estrutural vivida pelos diversos grupos sociais do país. “Este despertar tem influenciado sobretudo as novas gerações, que começam a reconstruir sua identidade, sua auto-estima e, mais, percebem seu importante papel social.”[27]

A Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, ratificada pela ONU em 21 de dezembro de 1965 e que foi incorporada no ordenamento jurídico interno através do Decreto nº 65.810, de 08 de dezembro de 1969, tem como objetivos “promover e encorajar o respeito universal e efetivo pelos direitos humanos e liberdades fundamentais para todos, sem discriminação de raça, sexo, idioma ou religião

O artigo II desta Convenção estabelece que

  1. Os Estados Partes condenam a discriminação racial e comprometem-se a adotar, por todos os meios apropriados e sem demora, uma política de eliminação de todas as formas de discriminação racial, e de promoção da harmonia entre todas as raças, e, para este fim.

Cada estado-membro da Convenção deve adotar medidas e investir em políticas públicas que satisfaçam as exigências desse instrumento normativo, a fim de romper com a discriminação racial. Quando as políticas sociais básicas do governo são incapazes e ineficazes de atender a todos de forma plena é imperioso que haja o investimento em políticas públicas de ação afirmativa. As ações afirmativas voltadas para a população negra têm a finalidade de promover a igualdade racial, além de representarem ferramentas importantes na luta anti-racista.

De acordo com o conceito elaborado por GOMES, “as ações afirmativas se definem como políticas públicas (e privadas) voltadas à concretização do princípio constitucional da igualdade material à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de compleição física”.[28]

Na aplicação do Direito da Criança e do Adolescente, enfatiza-se que

O Estatuto da Criança e do Adolescente tem a relevante função, ao regulamentar o texto constitucional, de fazer com que este último não se constitua em letra morta. No entanto, a simples existência de leis que proclamem os direitos sociais, por si só não consegue mudar as estruturas. Antes há que se conjugar aos direitos uma política social eficaz, que de fato assegure materialmente os direitos já positivados.[29]

Por isso o Direito da Criança e do Adolescente, enquanto ramo jurídico autônomo vem consolidando e implementando a luta em favor da infância e adolescência. Essa empreitada conta com o apoio da sociedade civil, dos movimentos sociais organizados, do terceiro setor, da democracia participativa implementada na Carta Constitucional, para que se faça cumprir e “efetivar as promessas jurídicas inscritas na lei”.[30]

Para proteger e resguardar os direitos infanto-juvenis que são violados fundados em discriminação de cor ou de raça, as normativas aplicáveis ao Direito da Criança e do Adolescente podem socorrer-se em termos legais da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, visto que essa normativa prevê o investimento em políticas sociais, nesse caso, as ações afirmativas.

O investimento em políticas públicas de ação afirmativa para crianças e adolescentes deve respeitar o princípio constitucional da prioridade absoluta e ter caráter emergencial para a concretização de direitos. O princípio da prioridade absoluta está previsto no art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece para o universo infanto-juvenil: a) a primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) a precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. Recordando que “por absoluta prioridade devemos entender que a criança e o adolescente deverão estar em primeiro lugar na escala de preocupação dos governantes”.[31]

É possível afirmar que o Direito da Criança e do Adolescente inaugura uma nova prática social, perpetrada pela sociedade civil organizada e uma nova prática institucional, que não mais é aquela de repressão e vigilância do Estado a crianças e adolescentes, que marcou oDireito do Menor, mas sim aquela, concentrada na capacidade estatal de auxiliar, principalmente no campo das políticas públicas a adequada efetivação dos direitos da criança e do adolescente.

  1. Conclusão

As normativas aplicadas ao Direito da Criança e do Adolescente, seja a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, seja a Constituição da República Federativa do Brasil e o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, consagram uma proteção integral à população infanto-juvenil. A Doutrina da Proteção Integral estabelece uma nova roupagem jurídica aos direitos infanto-juvenis, anteriormente tutelados pelo revogado Direito do Menor, para torná-los sujeitos de direitos. Essa nova condição considera o estado peculiar de pessoa em desenvolvimento e assegura à plena efetivação dos direitos o caráter prioritário e prevê a execução de políticas públicas como alternativa de inclusão social e garantia de direitos.

Tendo em vista que a atual sociedade brasileira é basicamente desigual em função da hierarquização das classes sociais e, sobretudo, em função de discriminações fundadas na cor e na raça, essas desigualdades também fazem parte do universo infanto-juvenil. Portanto, é indispensável que se planeje e execute políticas sociais (públicas ou privadas) de inclusão para crianças e adolescentes negros.

As normativas aplicadas especificamente ao Direito da Criança e do Adolescente apenas vedam a discriminação racial, mas não indicam ou criam quaisquer mecanismos capazes de efetivamente solucionar a questão. A própria proibição à discriminação racial pressupõe a existência no plano material de preconceitos e discriminações pela cor da pele. Entretanto, não basta normatizar quais são os direitos, mas perseguir os meios para alcançar a tão sonhada efetividade normativa.

Neste sentido, dado o caráter interdisciplinar do Direito da Criança e do Adolescente, mereceu atenção neste estudo a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, adotada pela Assembléia Geral da ONU, em 21 de dezembro de 1965, e incorporada ao ordenamento jurídico um pouco menos de quatro anos depois, em 1969. Tal Convenção não se limita a vedar simplesmente as formas de discriminação racial, mas busca alternativas eficazes através de políticas públicas que assegurem um verdadeiro combate à discriminação fundada na raça ou na cor.

Sendo o Brasil signatário desta Convenção, os direitos de crianças e adolescentes negros encontram respaldo constitucional para investimento em políticas públicas que concretizem seus direitos fundamentais afrontados pelo viés discriminatório. Dado ainda, o caráter prioritário que devem ser efetivados os direitos das crianças e adolescentes, essas medidas clamam por execução em caráter de urgência na sociedade brasileira.

As políticas inclusivas para crianças e adolescentes negros, também chamadas de ações afirmativas são fundamentais para a concretização dos direitos de crianças e adolescentes negros nesse país. Apoiar essas políticas significa contribuir para a efetivação da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, da Constituição da República Federativa do Brasil e do Estatuto da Criança e do Adolescente. A nenhuma criança ou adolescente pode ser negado o direito fundamental de viver com dignidade e desfrutar de sua cidadania tão dificilmente conquistada historicamente. Negar a implementação das políticas inclusivas implica num verdadeiro retrocesso ao Direito da Criança e do Adolescente.  

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[1] BENJAMIM, César [et. al.] A opção brasileira. Rio de Janeiro: Contraponto, 1998, p. 75.

[2] FREITAS, Marcos Cezar de (org). História social da infância no Brasil. 2 ed. São Paulo: Cortez, 1999.

[3] BRASIL. Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Estado e sociedade promovendo a igualdade racial. Relatório, 2005, p. 12.

[4] TESSARI, Cláudia Alessandra. Tudinhas, Rosinhas e Chiquinhos: o processo de emancipação dos escravos e os libertos no mercado de trabalho. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História Econômica pela Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2000, p. 40.

[5] CUSTÓDIO, André Viana. Direito da Criança e do Adolescente. Criciúma – SC: UNESC, 2009, p. 15.

[6] SANTOS, Marco Antônio Cabral dos. Criança e Criminalidade no início do século: In: PRIORE, Mary Del (org.). História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999, p. 214.

[7] VERONESE, Josiane Rose Petry. Os Direitos da Criança e do Adolescente. São Paulo: LTr, 1999, p. 21.

[8] VIEIRA. Cleverton Elias. VERONESE, Josiane Rose Petry. Limites na Educação: sob a perspectiva da Doutrina da Proteção Integral, do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006, p. 24.

[9] PASSETTI, Edson. Crianças carentes e políticas públicas. In: PRIORE, Mary Del (org.).História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999, p. 364.

[10] VERONESE, Josiane Rose Petry. Os Direitos da Criança e do Adolescente. São Paulo: LTr, 1999, p. 35.

[11] RIZZINI, Irene. O Século Perdido: raízes históricas das políticas públicas para a infância no Brasil. Rio de Janeiro: USU, 1997, p. 71.

[12] Entre os instrumentos normativos internacionais destacamos: a Declaração de Genebra de 1924, a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, a Declaração dos Direitos da Criança de 1959 (ONU) e a Convenção Internacional dos Direitos da Criança 1989 (ONU). Importante pontuar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948, é representativa do avanço nos direitos e liberdades individuais do ser humano e no reconhecimento do princípio da dignidade da pessoa humana, reconhecendo que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos independente de sua raça ou cor (art. 1º e 2º).

[13] A Convenção Internacional dos Direitos da Criança foi aprovada pela Assembléia Geral da ONU em 1989 e ratificada pelo Brasil através do Decreto nº 99.710 em 21 de novembro de 1990.

[14] Utilizando aporte teórico da sociologia é importante neste trabalho conceituar o racismo, o preconceito e a discriminação racial uma vez que constata-se que esses fenômenos não são sinônimos. O racismo e o preconceito racial representam a forma como uma pessoa (ou grupo de pessoas) percebe outras pessoas (ou grupo de pessoas) levando em consideração os seus aspectos físicos e culturais de forma negativa, tendo como padrão o do próprio grupo em que está inserida. Já a discriminação racial é a manifestação dessas imagens construídas pelo racismo e pelo preconceito racial. Quando essas imagens racistas ou preconceituosas da pessoa que assim as percebe se manifestar ou se concretizar em ações é que se pode dizer que há discriminação racial, ou seja, para GOMES “a discriminação racial pode ser considerada como a prática do racismo e a efetivação do preconceito racial”.  (GOMES, 2005. p. 54)

[15] VERONESE, Josiane Rose Petry. Os Direitos da Criança e do Adolescente. São Paulo: LTr, 1999, p. 96.

[16] Conforme a redação dada pelo art. 2º da Convenção Internacional dos Direitos da Criança de 1989.

[17] MARCÍLIO, Maria Luiza. A lenta construção dos direitos da criança brasileira – Século XX. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos da Universidade de São Paulo Comissão de Direitos Humanos. 20__ Disponível em: http://www2.ibam.org.br/municipiodh/biblioteca%2FArtigos/crianca.pdf Acesso: 20/09/09.

[18] Redação do artigo 227 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

[19] FIRMO, Maria de Fátima Carrada. A criança e o adolescente no ordenamento jurídico brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 4.

[20] VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da Criança e do Adolescente. Vol. 5 Resumos Jurídicos. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006, p. 9-10.

[21] O Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística do ano de 2000 revela que os negros representam 45% da população brasileira, mas correspondem cerca de 65% da população pobre e 70% da população em extrema pobreza. Enquanto que, os brancos são 54% da população total, mas somente 35% dos pobres e 30% dos extremamente pobres. IBGE. Censo Demográfico 2000: Dados da amostra. Rio de Janeiro: IBGE. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br&gt;. Acesso em: 12 de abril de 2009.

[22] IBGE. Síntese dos Indicadores Sociais de 2008. Disponível em http://www.ibge.gov.br. Acesso em: 11 junho 2009, p. 41.

[23] Jessé Souza ao fazer uma crítica sobre o economicismo, como sendo uma visão de mundo que se reduz ao aspecto econômico afirma que: “É esse mesmo raciocínio economicista, que abstrai sistematicamente os indivíduos de seu contexto social, que também transforma a escola, pensada abstratamente e fora de seu contexto, em remédio para todos os males de nossa desigualdade. Na realidade, a escola, pensada isoladamente e em abstrato, vai apenas legitimar, com o “carimbo do Estado” e anuência de toda a sociedade, todo o processo social opaco de produção de indivíduos “nascidos para o sucesso”, de um lado, e dos indivíduos “nascidos para o fracasso”, de outro. Afinal, o processo de competição social não começa na escola, como pensa o economicismo, mas já está, em grande parte, prédecidido na socialização familiar pré-escolar produzido por “culturas de classe” distintas. (SOUZA, 2009, p. 10)

[24] Lei 8.069/90, art. 5º: Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. (grifo nosso)

[25] O neoconstitucionalismo retira a posição central da lei na resolução dos conflitos e abre espaço para uma base valorativa, em que o direito não é apenas norma (legalidade formal, norma genérica e abstrata na resolução dos conflitos), mas é também valor. Portanto, a Constituição brasileira não consegue mais dissociar Direito e Moral. A teoria neoconstitucional ou pós-positivista vem ultrapassar a posição central da lei na resolução dos conflitos e introduzir em seu conteúdo normativo uma base axiológica com a introdução dos princípios gerais de direito no ordenamento jurídico, buscando alcançar a equidade e justiça social, vez que o direito não se propõe a resolver conflitos meramente individuais, mas em prol de toda a coletividade. CADEMARTORI, Sergio. Estado de direito e legitimidade: uma abordagem garantista. 2 ed. Campinas, SP: Millennium Editora, 2006; CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998; DUARTE, Écio Oto Ramos. POZZOLO, Susanna. Neoconstitucionalismo e positivismo jurídico: as faces da teoria do direito em tempos de interpretação moral da Constituição. São Paulo: Landy Editora, 2006; CARBOBELL, Miguel (org.). Constitucionalismo(s). Madrid: Editorial Trotta, 2003.

[26] DOEK, Jaap. A CDC: desafios futuros. In: LIETEN, Kristoffel (org). O problema do trabalho infantil: temas e soluções. Tradução de Danielle Annoni. Curitiba: Multidéia, 2007

[27] VERONESE, Josiane Rose Petry. Entre violentados e violentadores. São Paulo: Cidade Nova, 1998, p. 28.

[28] GOMES, Nilma Lino. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no Brasil: uma breve discussão. In: MUNANGA, Kabengele. Superando o racismo na escola. 2 ed. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005, p. 21.

[29] VERONESE, Josiane Rose Petry. Temas de Direito da Criança e do Adolescente. São Paulo: Ltr, 1997, p. 15.

[30] CUSTÓDIO, André Viana. A exploração do trabalho infantil doméstico no Brasil contemporâneo: limites e perspectivas para a sua erradicação. Tese (Doutorado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2006, p. 131.

[31] VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da Criança e do Adolescente. Vol. 5 Resumos Jurídicos. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006, p. 15-16.