Casamaento Homo Afetivo

REVISTA SOCIOLOGIA JURÍDICA – ISSN: 1809-2721

Número 13 – Julho/Dezembro 2011

CASAMENTO HOMO AFETIVO: LIBERTÁRIO OU REACIONÁRIO?

HOMOAFETOS MARRIAGE: LIBERTARION OR REACTIONARY?

Marco Aurélio Monteiro – Doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos. Bacharel em Ciências Sociais e mestre em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista.

RESUMO: Procuramos neste paper desenvolver uma reflexão da percepção que a sociedade vem obtendo frente à questão da sexualidade, ou melhor, a respeito da homossexualidade. A nossa análise acontece tendo em mente o casamento homo afetivo, que além de contar com a reflexão sociológica tem como foco ponderar tal realidade sob um olhar jurídico. Temos como objetivo, trazer a tona como caminha a luta pelo reconhecimento da união homo afetiva, analisando teorias que tratam de uma maneira ampla, isto é, que apresentem aspectos contrários e favoráveis à extensão deste intuito dos homossexuais.

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. O pré-conceito social ao gay; 3. Casamento homo afetivo; 4. Direito e cidadania sexual; 5. Conclusão; 6. Referências

PALAVRAS-CHAVE: Casamento homo afetivo, homossexualidade, direito.

ABSTRACT: We seek in this paper to develop a reflection of the perception that the society is getting ahead to the question of sexuality, or rather about homosexuality. Our analysis takes place keeping in mind the emotional homo marriage, which besides having the discussion focuses on the sociological reality in considering such a legal looking. Our objective is to bring out the moves like the struggle for recognition of homosexual marriage emotional, examining theories that address a broad sense, ie, presenting issues and opposed the extension of this favorable view of homosexuals.

KEYWORDS: Homosexual marriage, homosexuality, law.

 

  1. Introdução

            A temática sobre sexualidade desperta grande debate em diversos setores da sociedade. Particularmente, a partir da segunda metade do século passado, o movimento em defesa do reconhecimento e respeito dos direitos dos homossexuais ganhou maior expressão.

            Procuramos neste paper desenvolver uma reflexão a cerca da percepção a qual a sociedade vem obtendo frente à questão da sexualidade, ou melhor, a respeito da homossexualidade[1], sobretudo, a nossa reflexão se encaminha tendo em mente o casamento homo afetivo. A análise além de contar com a reflexão sociológica tem como principal foco analisar tal realidade com um olhar jurídico.

            Deste modo, delimitamos o tema compreendendo o casamento gay[2] como sendo um contrato estipulado entre as partes, realizado sob a proteção do Estado, com vistas a garantir direitos civis aos homossexuais que queiram fazer parte deste contrato.

            Temos como objetivo, trazer a tona como anda a luta pelo reconhecimento da união homo afetiva, analisando teorias que tratam de uma maneira ampla, isto é, que apresentem aspectos contras e favoráveis à extensão deste intuito dos homossexuais.

            A metodologia utilizada para atingirmos o escopo deste trabalho consta de um levantamento bibliográfico, levantamento este que nos permitiu fazermos uma análise da literatura em questão, com textos motivadores. A análise qualitativa corroborou para que obtivéssemos uma visão mais teórica sobre o tema em questão.

            A motivação da escolha, de tal tema, tem como justificativa o crescimento do debate em torno de diversas questões acerca da homossexualidade. Principalmente em relação à institucionalização de garantias que visam legitimar a expressão da cidadania e da democracia para os diversos segmentos encontrados na sociedade. A discussão é necessária, sobretudo, a respeito da extensão de direitos civis, como o direito ao casamento e, de uma maneira mais ampla o direito dos gays[3] formarem uma família. Direitos estes até então considerados exclusivos aos heterossexuais.

            O nosso paper será apresentado em algumas sessões. Na primeira sessão titulada O pré-conceito social ao Gay, partimos de uma análise histórica, passando por várias instituições como “as religiosas”, sobretudo a Igreja Católica, a “médico-legal”, e a “científica”. Na sessão seguinte, discutiremos de um modo particular os posicionamentos envoltos ao casamento homo afetivos, teorias estas que permitem um olhar mais abrangente em relação ao atuar jurídico, nomeamos tal discussão como Casamento Homo afetivo: libertário ou reacionário?

            Na terceira e última sessão, Direito e Cidadania sexual a questão sobre o casamento homo afetivo é analisada sobre o ponto de vista político e jurídico, onde trazemos o discurso de regulação à cidadania, bem como o discurso jurídico. O posicionamento do Estado e os direitos heterossexuais frente ao caminhar dos direitos homossexuais.

            A conclusão e as referências bibliográficas servirão de um incentivo a reflexão do tema. Os posicionamentos e as políticas públicas, como a operacionalização do direito em prol a uma igualdade, resguardada pelas instituições legais, é um ato concreto que cabe a consciência democrática, tanto individual quanto institucional, que faça jus a toda a promessa democrática de igualdade, de oportunidade e de liberdade.

  1. O pré-conceito social ao Gay

            A dinâmica da reprodução, a mudança social, a suposta ameaça a ordem, a AIDS inicialmente chamada de “peste gay”, o tratamento patológico dado ao homossexual, são alguns dos componentes importantes para a construção e reprodução de preconceitos em relação à orientação sexual do homossexual.

            O termo homossexualismo foi utilizado pela primeira vez em 1869, pelo médico húngaro Karoly Maria Benkert, ao escrever uma carta-protesto diante da iminente criminalização das relações sexuais entre homens na Alemanha. A idéia legitimada por um olhar médico colocou o gay como uma “espécie” desviada, sendo passível, portanto, de um controle médico-legal (MISKOLCI, 2007).

            O homossexualismo sendo validado e definido sob o olhar psiquiátrico passou a representar uma suposta ameaça à ordem, ao status quo, em virtude do medo de mudanças profundas em instituições como a família. O homossexualismo significava no final do século XIX, uma ameaça a reprodução biológica, uma ameaça a tradicional divisão de poder entre homens e mulheres e, sobretudo, uma ameaça a manutenção de valores morais responsáveis pela ordem.

            Ao lado dos saberes psiquiátricos estava a lei que procurava diante da possível ameaça a desordem social e moral, estabelecer a manutenção então dos valores e da moralidade responsável por toda a ordem e visão de mundo já existente. Em 1871 o código penal alemão condenava a homossexualismo e outras manifestações da sexualidade para além das heterossexuais, como “bestiais”, ou seja, como degenerados, ficando assim os gays a margem da sociedade sendo associados a criminosos e loucos.

Mais tarde, a relação entre o homossexualismo e o fascismo também ganhou força com a idéia fantasiosa e medonha de que os gays começassem a fabricar seus próprios seres humanos, exagerando na tecnologia da reprodução. Esta idéia é estabelecida para além da relação entre a homossexualidade e o potencial do fascismo, mas a idéia de desordem, devendo então ser combatida.

 A Igreja Católica, que exerceu grande influência, sobretudo na Idade Média, ainda corrobora para a manutenção da idéia de que a relação homo afetiva é algo que deva ser combatido. Com a manutenção da idéia de que o sexo deva ser procriativo e praticado sob a benção matrimonial, coloca em questão a valorização da família como uma instituição constituída pelo um pai, uma mãe e filho(s). Essa valoração biológica acaba levando em consideração apenas o sexo, ou seja, o órgão sexual masculino e feminino e não a sexualidade em si, que vai para além do órgão sexual, mas que deve ser entendido como a percepção que cada um tem de sua afetividade, de seus sentimentos, de sua orientação e cuidado do corpo.

            Assim a igualdade de gêneros[4] se torna inviável uma vez que, deva permanecer a dominação do homem sobre a mulher, a obediência, a moral e a ordem. O homem sendo o centro da constituição familiar, o provedor, o ativo, e a mulher concebida como a progenitora, a receptiva e a obediente.

Mas quero que saibais que Cristo é a cabeça de todo varão, e o varão a cabeça da mulher; e Deus a cabeça de Cristo […] O varão pois não deve cobrir a cabeça, porque é a imagem e glória de Deus, mas a mulher é a glória do varão. Porque o varão não provém da mulher, mas a mulher do varão. Porque também o varão não foi criado por causa da mulher, mas a mulher por causa do varão. Portanto, a mulher deve ter sobre a cabeça sinal de poderio, por causa dos anjos (BIBLIA SAGRADA, 1969, p.222).

Desta maneira, percebemos a constituição familiar religiosa corroborando com toda a dominação, e desigualdade e a manutenção do status quo. A própria hierarquia da Igreja é prova desta dominação, uma vez que, há obediência das religiosas ao clero composto somente por homens.

Evidenciamos também os indícios pré-conceituosos em relação ao homossexual[5], a concepção estereotipada do gay é condenada.

Não erreis: nem os devassos, nem os idolatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os maldizentes, nem os roubadores herdarão o reino do céu (BIBLIA SAGRADA, 1969, p. 217) (Grifo nosso)

Deste modo, percebemos o gay como um pecador, classificado junto com os ladrões, os avarentos, os maldizentes, ou seja, estando a margem da sociedade e dos princípios de salvação.

A promiscuidade, a pedofilia, as práticas ilícitas ainda circulam o imaginário em relação ao gay, corroborando para que o preconceito continue existindo. O ser gay já foi até associado à questão de saúde pública. Em 1980, em virtude da disseminação do vírus da AIDS, o gay é novamente colocado em cena, sendo considerados os percussores da dispersão de tal doença. A AIDS, inicialmente foi chamada de “peste gay” colaborando com a imagem de promiscuidade inerente aos homossexuais. Assim, o preconceito em relação ao gay foi intensificado. Houve o aumento da homofobia, que é um termo utilizado para identificar o ódio, a aversão e a discriminação de uma pessoa contra os homossexuais ou contra a homossexualidade.

Contudo, movimentos sociais organizados corroboraram para que essas idéias disseminadas sobre os gays fossem questionadas, as feministas tiveram e tem grande importância na discussão em relação ao gênero, buscando não uma sobreposição da mulher ao homem, mas um reconhecimento de igualdade entre os gêneros. O LGBT[6] (Lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros) busca de uma maneira política- jurídica o reconhecimento e a aceitação daqueles que são colocados a margem da sociedade.

Os direitos reivindicados pelas comunidades GLBT variam de país para país e ate mesmo entre segmentos das próprias comunidades. Mas de um modo geral, as reivindicações abrangem o direito à vida, qualquer que seja a orientação sexual, a identidade de gênero ou a identidade sexual.

O direito a integridade social, refutando todas as formas de preconceito, os direitos civis, incluindo o direito ao casamento civil e a união estável entre as pessoas do mesmo sexo, refletidos nos direitos de pensão, sucessão de bens, adoção de filhos etc. são reivindicados. Pois, sabemos que esses direitos já estão garantidos aos casais heterossexuais.

Para além disso, o direito de tratamento médico, onde travestis e transexuais buscam ser atendidos pelos órgãos de saúde públicos para realizar mudanças hormonais e cirurgias que condizes com as suas identidades, o direito de revisar o nome e sexo nos registros civis para transexuais são reivindicados.

Vale ressaltar que há países que ainda criminalizam a homossexualidade, chegando ao ponto de instituir sanções como a pena de morte. Sendo estes a Arábia Saudita, Iêmen, Irã, Nigéria, Paquistão, Somália e Sudão.

É bom sabermos que, a homossexualidade é um termo recentemente usado, mas sua prática é apontada por historiadores como existentes desde os primórdios da humanidade, e nem sempre obtiveram esse grau negativo.

Em estágios diferentes e épocas do desenvolvimento social e intelectual humano, havia diferentes formas de se compreender a existência de indivíduos que possuíam atração pelo mesmo sexo. Na Grécia no tempo de Aristóteles a prática de atos homossexuais e pederastas eram considerados normais. Já vimos que na Idade Média, com toda a influência da Igreja Católica, a homossexualidade era reprimida e tida como demoníaca.

O próprio termo homossexual é algo novo. O termo anteriormente empregado vinha a ser o homossexualismo, o sufixo “ismo” refere-se a uma patologia. No entanto, desde 1990 a Organização Mundial de Saúde (OMS), retirou a orientação sexual ao mesmo sexo como uma doença mental. Assim, sendo o sufixo “dade” foi colocado no lugar, já que se refere não a uma doença mais a uma qualidade do ser homossexual, assim o termo correto a ser utilizado é homossexualidade, ou gay.

Outro termo que também nos é contemporâneo para identificarmos a homossexualidade vem a ser o que as feministas norte-americanas chamam de “Queer”. Isto é, a percepção da sexualidade como algo em constante movimento, fronteiriço, não classificável, não rotulado. Não cabendo um olhar pejorativo, longe de determinismos apontados pelos meios biológicos e religiosos (MISKOLCI, 2007).

O termo “Queer” faz também analogia à arte. A Queer Arte ou Homo Art é um movimento artístico não oficializado, que vem ganhando força nos Estados Unidos e na Europa desde a década de 1980. Os artistas da Queer Arte abordam questões contemporâneas, questões de um momento histórico onde alguns países passam a reconhecer legalmente a união entre os indivíduos do sexo.

É importante retermos que todos os argumentos apresentados são construções sociais que contribuíram para a idéia da necessidade do casamento entre iguais. Uma parte da literatura aponta o casamento como uma saída libertaria da margem social, com o reconhecimento de direitos e deveres, como o reconhecimento dos gays como cidadãos, outra parte da literatura vê no casamento homo afetivo a reprodução de uma sociedade heteronormativa, isto é, que se espelha na relação heterossexual, reproduzindo assim a norma de uma sociedade de dominação e de rótulos. Essa discussão se dará de uma maneira mais aprofundada na sessão seguinte.

  1. Casamento Homo afetivo

Para discutir o casamento gay, Judith Butler (2003) em “O parentesco é sempre tido como heterossexual?”, parte do pressuposto de que o casamento gay não é sinônimo ao parentesco homossexual. A autora, ao estabelecer uma análise em relação ao processo de legalização da união entre homossexuais ocorrida na França, corroborando assim, com uma discussão teórica que para nós é inteiramente válida.

Butler (2003, p.221) define o parentesco como sendo

Um conjunto de práticas que estabelece relações de vários tipos que negociam a reprodução da vida e as demandas da morte, então as práticas de parentesco são aquelas que emergem para dirigir as formas fundamentais da dependência humana, que podem incluir o nascimento, a criação de crianças, as relações de dependência e de apoio emocional, os vínculos de gerações, a doença, o falecimento e a morte.

Podemos perceber que as relações de parentesco ultrapassam a idéia de casamento com seus limites jurídicos estabelecidos e funciona de acordo com as regras não formalizadas.

o casamento tem também se separado das questões de parentesco na medida em que projetos de lei de casamento gay freqüentemente excluem direitos à adoção ao às tecnologias de reprodução enquanto direitos supostamente garantidos pelo casamento. Com isto posto, acabamos por conceber o entendimento da autora frente ao casamento (BUTLER, 2003, p.223).

São várias as abordagens sociológicas que mostram existem e persistem relações de parentesco que não se enquadram no modelo tradicional de família nuclear, ou seja, a idéia de parentesco tem se separado da hipótese de casamento. O fato é que essa separação não é tão simples assim, por chocar na idéia de construção familiar.

Ocorre que, os projetos de lei sobre o casamento gay discutidos em vários países, frequentemente têm feito esta separação entre casamento e parentesco, devemos pensar então na legalidade, com direitos e deveres constituídos e nos laços afetivos constituídos por um núcleo parental. O que se tem visto é, a exclusão de direitos à adoção, às tecnologias de reprodução de seu escopo, sendo esses direitos supostamente garantidos pelo instituto do casamento.

Um ponto bem discutido envolto ao casamento gay é a questão da adoção e criação de crianças, uma vez que, algumas literaturas consideram tal feito como um risco as crianças. Sylviane Agacinski, famosa filósofa francesa, afirma que permitir que homossexuais formem famílias vai contra a “ordem simbólica”, sendo esta um “(…) conjunto de regras que ordenam e apóiam nossos sentidos de realidade e de inteligibilidade cultural (AGACINSKI, 1998 apud BUTLER, 2003, p. 231).

Para tal filosofa essa ordem simbólica iria faltar para as crianças filhas de casais homossexuais. Porém, para Butler essa questão é mascarada por algo bem mais político do que cultural.

No caso de casamentos gay ou de alianças legais de filiação, vemos como diversas práticas sexuais e relacionamentos, que ultrapassam a esfera da santificante lei, tornam-se ilegíveis, ou pior, insustentáveis, e como novas hierarquias emergem no discurso político. Essas hierarquias não somente impõem a distinção entre vidas homossexuais legitimas e ilegítimas, mas elas produzem distinções táticas entre formas de ilegitimidade. O par estável, que se casaria se fosse possível, é considerado como presentemente ilegítimo, mas elegível para uma legitimidade futura, enquanto que os agentes sexuais que funcionam fora da esfera do vínculo do casamento e sua forma alternativa reconhecida, mesmo se ilegítima, constituem agora possibilidades sexuais que nunca serão elegíveis a se traduzir em legitimidade. Essas possibilidades se tornam cada vez mais negligenciadas dentro da esfera política como conseqüência da prioridade que o debate sobre o casamento assumiu. Essa é uma ilegitimidade cuja condição temporal deve ser fechada a qualquer transformação futura possível. Ela é não apenas considerada ainda não legítima, mas é, pode-se dizer, o passado irrecuperável e irreversível da legitimidade passada: o nunca será, o nunca foi (BUTLER, 2003, p.227).

            Assim, trazemos a discussão para o campo político, já que a discussão homo afetiva traz um problema envolta as formas de relacionamento legitimadas pelo Estado.

De fato, este seria um campo sexual que não tem legitimidade com seu ponto de referência, seu derradeiro desejo. O debate sobre casamento gay se dá nessa lógica, pois reduz-se quase imediatamente à questão sobre o casamento deve ser legitimamente ampliado a homossexuais, e isso significa que o campo sexual é circunscrito de tal modo que a sexualidade é pensada em termos de casamento e o casamento é pensado em termos de aquisição de legitimidade (BUTLER, 2003, p.226).

            Para Butler, o problema está em circunscrever a sexualidade pensada em termos de casamento e o casamento em termos de aquisição de legitimidade. O casamento, entendido como a legitimação da sexualidade, seria para ela um conservadorismo inaceitável. Porém, a falta de reconhecimento traz grandes problemas para os relacionamentos homo-afetivos, como a formas de hierarquias ainda maiores.           

            Um preconceito desmesurado para com os homossexuais é percebido em relação ao relato feito pela autora da existência de um temor que se tem de que os homossexuais passem a usar da biotecnologia da reprodução de modo exagerado para constituir famílias.

            Butler se apóia em Foucault (2004), para sair desse impasse, sendo o reconhecimento pelo Estado de diversos tipos de família, numa última instância, na idéia de que não se reduz o parentesco à família e nem se reduz o campo de sexualidade ao casamento.

            Podemos pensar que o raciocínio que leva em conta tanto a posição contra como a favor do casamento e adoção por casais gays levam a uma paralisia política, mas é também muito grave uma posição que leve apenas em conta um desses fatores. Uma transformação social mais radical está em jogo quando não se permite que as relações de parentesco sejam reduzidas a idéia de família ou casamento. É fato que, os direitos ao casamento, adoção e tecnologia reprodutiva devem ser concedidos aos indivíduos independentemente de sua orientação sexual. E que esses parâmetros não devem ser os únicos dentro dos quais se podem pensar a vida sexual, pois ela é bem mais ampla que isso (BUTLER, 2003).

            Para Richard Miskolci (2007) em “Pânicos morais e controle social – reflexão sobre o casamento gay”, os desdobramentos de um casamento homo afetivo, recaem no medo. Esse medo é proveniente de “pânicos morais”. Conceitualmente o “pânico moral” constitui em

Uma condição, um episódio, uma pessoa ou um grupo de pessoas passa a ser definido como um perigo para valores e interesses societários; sua natureza é apresentada de uma forma estilizada e estereotipada pela mídia de massa, as barricadas morais são preenchidas por editores, bispos, políticos e outras pessoas de Direita; especialistas socialmente aceitos pronunciam seus diagnósticos e soluções; recorre-se a formas de enfrentamento ou desenvolvem-nas. Então a condição desaparece, submerge ou deteria e se torna mais visível. Algumas vezes, o objeto do pânico é absolutamente novo e outras vezes é algo que existia há muito tempo, mas repentinamente ganha notoriedade. Algumas vezes o pânico passa e é esquecido, exceto no folclore e na memória coletiva. Outras vezes ele tem repercussões mais sérias e duradouras e pode produzir mudanças tais como aquelas em política legal e social ou até mesmo na forma como a sociedade se compreende (COHE, 1972, p.9 apud MISKOLCI, 2007, p. 111).

            Assim, os pânicos morais surgiriam a partir do medo social em relação às mudanças, em especial as percebidas repentinamente e ameaçadoras, enquadrando neste aspecto a discussão a respeito do casamento gay.

            Como vimos, o “pânico moral” foi conceitualmente criado por Cohen, no final do século XX para caracterizar a forma como a mídia, a opinião pública e os agentes de controle social reagem a determinados rompimentos de padrões normativos. A resposta aos agentes causadores dos pânicos morais seria então o fortalecimento do aparato de controle social.

            De acordo com Miskolci (2007), a luta pela parceria civil entre pessoas do mesmo sexo pode também ser encarada como uma forma de “domesticação” das demandas de um movimento social.

Se o passado foi marcado pelo poder disciplinador tão bem descrito por Foucault, em nossos dias prevalece uma forma de poder baseada no controle. Conquistas como a do movimento anti-psiquiátrico, a despatologização de certos comportamentos assim como sua descriminalização são resultados desse processo de substituição da disciplina pelo controle. Ao invés de tratar ou prender, a sociedade encontra meios de controlar aqueles cujos estilos de vida supostamente ameaçam a normalidade social. Os pânicos morais são fenômenos privilegiados nessa nova ordem do poder, pois levam sempre à discussão sobre o controle social e legal apropriado de uma forma de comportamento. Os empreendedores morais, ao invés de propor a criminalização e o aprisionamento tendem a sugerir medidas educacionais, de prevenção e regulamentação legal (MISKOLCI, 2007, p. 113).

            Para tal autor, existem “vozes dissonantes” que questionam se o acesso ao casamento pelos homossexuais seria uma conquista ou uma armadilha. Coloca então, como uma das vozes dissonantes, a Butler (2003), por ela ter, afirmado, como já discutido anteriormente, que a luta política pelo casamento seria uma resposta envergonhada do movimento gay e lésbico aos estigmas sociais que lhes foram atribuídos nas últimas décadas. Nesse aspecto, o autor traz à luz o estigma da pedofilia. Pré-conceito este estabelecido por uma sociedade que vê no gay a pessoa que beira a loucura, a promiscuidade e ameaça a status quo.

            Foi justamente a disseminação da AIDS, na década de 1980, idéia impregnada preconceituosamente em relação ao gay, basta lembrarmos a denominação primeira dessa doença, como “peste gay”, que alguns países concederam a parceria civil à pessoa do mesmo sexo, sob a alegação de que esse instituto incentivaria a constituição de relações estáveis e coibiria o avanço da doença.

            Miskolci (2007) ressalta o ponto de que a institucionalização da relação homo afetiva provoca a cisão entre os aceitáveis candidatos à parceria civil e os outros, partidários de relacionamentos inclassificáveis ou pura e simplesmente “descartados” como indesejáveis.

Provavelmente, o casamento gay alteraria para melhor a concepção vigente da diversidade sexual como algo benigno para a sociedade. No entanto, ao se concentrar em uma concepção familiar, leia-se convencional e normativa, das relações amorosas e sexuais, a parceria civil também se revela um objetivo político sem compromisso com a transformação da forma como a sociedade atualmente lida com a variabilidade sexual e afetiva. Nesse sentido, a luta pela parceria civil representa um retrocesso para um movimento político que, até o inicio da década de 1980, se propunha ser o catalisador de transformações sociais profundas (MISKOLCI, 2007, p.121).

            O autor coloca em questão o fato de a parceria civil reduzir a sexualidade ao casamento e este como o único meio para a aquisição de legitimidade social. Para Miskolci, o casamento e a família já estão em transformação inclusive para os heterossexuais. A adoção do casamento e a provável constituição de famílias por homossexuais levariam ao enquadramento, em normas que não mais condizem com as demandas sociais contemporâneas, apenas atendem à nostalgia de uma ordem social que possa nunca ter existido.

Conclui que o pânico em relação ao casamento homossexual é produzido em geral, pelo fato da família ser uma instituição ameaçada. Contudo, este fato é o resultado de transformações históricas e sociais que não podem ser atribuídas a um único grupo.

  1. Direito e cidadania sexual

“Familismo (anti) homossexual e regulação da cidadania no Brasil”, é um trabalho apresentado por Luis Mello (2006), onde o professor nos trás uma retrospectiva tanto do Brasil quanto ao mundo em relação aos avanços e retrocessos em relação ao casamento gay.

De acordo esse autor, o mundo em 2005 foi marcado tanto pelo ultra conservadorismo moral com a eleição do Papa Joseph Ratzinger, como com a legalização do casamento homo afetivo na Espanha. Para além do casamento, houve a possibilidade de adoção de crianças por casais homossexuais, sendo o terceiro país do mundo a legalizar o casamento (Holanda e Bélgica já o tinha feito) e o segundo a assegurar a adoção (a Holanda fora a primeira).

No Brasil, o primeiro projeto de lei que trata da união civil entre pessoas do mesmo sexo (Parceria Civil Registrada- PCR) foi apresentado pela então deputada Marta Suplicy em 1995. Porém, não existe uma legislação ainda aprovada. O que vem acontecendo é o controle pelo Judiciário de ações acerca deste assunto, em face do vazio legal. Assim, “(…) vivemos num mundo legal, institucional e social no qual as relações possíveis entre os seres humanos são muito pobres, esquematizadas e pouco numerosas”(MELLO, 2006, p.504).

Mello (2006) coloca como idéias contrárias ao casamento gay as argumentações que, primeiramente, tentam amenizar a problemática ao dizer que não existe discriminação, mas apenas o não atendimento dos requisitos legais para que se possa efetuar o casamento. E em segundo lugar, uma idéia já defendida por Butler (2003) de que o casamento seria uma instituição conservadora e alienante e que por isso os homossexuais não deveriam reivindicá-los para si.

Em sua contra argumentação, Mello (2006) afirma que a reivindicação principal dos homossexuais é, na realidade, a igualdade na esfera pública entre os tratamentos das relações heterossexuais e homossexuais. O autor afirma que existe uma marginalização destas pessoas, afirmando que as mesmas não foram socialmente reconhecidas como cidadãs no âmbito dos direitos conjugais e parentais. Pois para ele igualdade não é aquilo que é idêntico, mas sim aquilo que tem o mesmo valor.

            Outro empecilho apontado pelo professor é a religião, canal esse de pregação contra a homossexualidade, por considerá-la contrario a concepção de família como pilares estabelecidos na heterossexualidade monogâmica aberta à reprodução e isso, em certa medida, explica porque países como o Irã punem a homossexualidade com a pena de morte.

            Para Mello (2006), a sexualidade seria tão produto humano quanto às demais construções da vida humana, como uma dieta, um sistema de etiqueta etc.. A sexualidade e a reprodução devem ser refletidas como dimensões da cidadania e da vida democrática e, por isso, é necessário que se promova a inclusão dos homossexuais no rol dos direitos humanos. O ideal para a democracia é que se reconheça a liberdade de orientação sexual e a identidade de gênero.

Porém, o que se observa é que os homossexuais brasileiros ainda não adentraram a arena dos sujeitos socialmente reconhecidos como cidadãos no âmbito dos direitos conjugais e parentais. Sem possibilidade de casamento, sem possibilidade de união civil, sem possibilidade de adoção de crianças como casal, gays e lésbicas reivindicam o reconhecimento do Estado e da sociedade de seus vínculos afetivo-sexuais e de sua própria existência civil. Manter relacionamentos amorosos, algo que nos faz intrinsecamente humanos, ainda é, em termos legais, uma prerrogativa heterocêntrica, marca da injustiça erótica e da opressão sexual que atinge gays e lésbicas no Brasil e na maior parte do planeta (MELLO, 2006, p.506).

            A tese defendia por Roberto Arriada Lorea (2006) em “Acesso ao casamento no Brasil: uma questão de cidadania sexual” é a de que o casamento dever estar acessível a todos, sem qualquer critério acerca da sua orientação sexual, sob a pena de discriminação, o que seria inconstitucional. Tal autor defende a idéia de que não há obstáculo legal que impeça o casamento entre pessoas com orientação sexual voltada para o mesmo sexo.

            É importante ressaltar, já neste momento, um ponto em comum entre as idéias defendidas tanto por Mello (2006) quanto por Lorea (2006) em relação ao papel da religião nesse construto contra a união em relação a homo afetividade.

            Para Mello (2006), a religião seria um instrumento contrário aos ideais defendidos pela causa gay, corroborando com sua tese Lorea (2006) defende a posição constitucional afirmada de que nosso país é laico e pluralista, devendo ao Estado brasileiro manter-se eqüidistante a estabelecer aliança com qualquer igreja.

A relevância de vivermos em um Estado laico adquire maior visibilidade quando se enfrentam temas que estão afetos aos direitos sexuais, sendo fundamental que se possa debater questões vinculadas à sexualidade à luz do ordenamento jurídico vigente e não sob uma perspectiva religiosa.[…] pode-se então afirmar, numa figura de linguagem que compare Estados religiosos e Estados laicos, que em um Estado laico a Constituição é o único livro ao qual devem obediência os agentes políticos do Estado: legisladores, governantes e juízes (LOREA, 2006, p.490).

            Lorea (2006) defende sua tese baseando-se no conceito de cidadania sexual, que seria entendido como o direito à liberdade do pleno exercício da sexualidade, na percpectivas dos direitos humanos. Posição também defendia por Mello (2006), ao fazer a afirmação de que a liberdade de orientação sexual e de identidade de gênero deveria ser incluída no rol dos direitos humanos. Ambos concordam que os homossexuais não têm podido exercer plenamente sua cidadania devido ao fato do acesso ao casamento lhes ter sido negado.

A diversidade sexual encontra amparo legal no artigo 3º, da Constituição Federal ‘promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação’ – bem como seu artigo 19, que prevê:’ É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e Municipal: […] criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si’. Assim, primeiramente, devemos estabelecer se é possível ou não, à luz da Constituição Federal, estabelecer um tratamento jurídico diferente às pessoas cuja orientação sexual está voltada para alguém do mesmo sexo. Para que a lei não incorra em discriminação que viole os princípios da Constituição Federal, necessariamente deve justificar tratamento diferente, sob a pena de incorrer em um tratamento desigual, portanto passível de ser questionado à luz do princípio da igualdade – estampado no caput artigo 5º, da Constituição Federal: ‘Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza’ (LOREA, 2006, p.491).

            De acordo com Lorea (2006), à luz dos princípios em nossa Constituição Federal, o casamento gay já seria possível, pois, para ele, não se trata de estender direitos aos homossexuais, mas apenas assegurar o exercício de um direito que essas pessoas já possuem. Ou seja, o direito a igualdade, a liberdade e o direito de não ser discriminado.

            Ao se oporem ao casamento entre duas pessoas do mesmo sexo, o principal argumento utilizado pelos operadores do direito a fim de basearem essa oposição, consiste na necessidade de aprovação de uma lei específica que venha regulamentar o casamento de homossexuais.

            O que de fato temos, na nossa Legislação, é uma regulamentação do casamento e da união estável entre heterossexuais, como vemos nos artigos 226 § 3º da Constituição Federal segundo a qual “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. […]§ 3º – Para proteção do Estado , é reconhecida a união estável entre homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão”.

            Entretanto, temos relato de que, a jurisprudência originária do Tribunal de Justiça do Rio Grande de Sul, e que vem sendo disseminado pelo país, identificou a união entre pessoas do mesmo sexo como uma entidade familiar digna de proteção constitucional, decisão essa que é encontrada na esfera do direito da família, matéria cuja apreciação está vinculada aos juízes de direito e Tribunais de Justiça dos estados.

            Assim,

cabe ao Poder Judiciário decidir conforme a lei, preenchendo o vazio normativo através da analogia e dos princípios gerais do direito. Como já existe a previsão legal para o casamento entre heterossexuais, é evidente que, por analogia, pode-se aplicar a mesma norma para o casamento entre homossexuais (LOREA, 2006, p.497).

             O percebemos é que a discussão envolta aos direitos democráticos, a cidadania dos homossexuais, ou de qualquer orientação sexual, deva caminhar para a proteção do Estado, pois os seres humanos são muito mais do que apenas sexo no sentido inicial analisado, mas são sexualidades que merecem dignidade, respeito e direitos.

  1. Conclusão

Após discutirmos as variadas posições a respeito do casamento gay, percebemos que este pode sim, de certa forma, representar um retrocesso, ao estender para os homossexuais uma instituição que há muito tempo está em crise e que representa um Estado que marginaliza estes cidadãos, ao privá-los de direitos, promovendo uma discriminação que a própria Constituição veda.

            Por outro lado, reconhecemos o fato de que atualmente os homossexuais estão desprovidos de meios legais que sejam capazes de garantir determinados direitos com máxima efetividade, sendo vítimas, em última instância de um vazio legal para o respeito de uma considerável gama de direitos civis, já que acreditamos que o instrumento correto para a institucionalização do casamento seja primeiramente uma Emenda à Constituição.

            Não é correto deixarmos esta parcela da população, que por um longo período de tempo já foi e continua sendo estigmatizada e marginalizada, desprovida de meios para exercitar seus direitos, até que haja toda uma mudança do pensamento social no sentido de inclusão dos homossexuais e de aceitação das mais variadas formas de unidades familiares.

            Por tudo isso, consideramos ser urgente a adoção de medida institucionalizadora do casamento gay a fim de providenciar maior inclusão social destes cidadãos, até mesmo para promover a justiça, já que seria injusto fazer com que os homossexuais, para exercerem seus direitos, tivessem sempre que recorrer à demanda judicial. A extensão de tal instituto promoveria um maior exercício da cidadania.

  1. Referências

BÍBLIA SAGRADA, Brasília- DF: Sociedade Bíblica do Brasil, 1969.

BUTLER, J. O parentesco é sempre tido como heterossexual? In: Cadernos Pagu, Campinas, n. 21, 2003.

LOREA, R. A. Acesso ao casamento no Brasil: uma questão de cidadania sexual. In: Revista Estudos Feministas, Florianópolis, vol.14, n.2, 2006.

LOURO, G. L. Gênero, sexualidade e poder. In: Gênero, sexualidade e educação, Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.

MELLO, L. Familismo (anti) homossexual e regulação da cidadania no Brasil. In: Revista Estudos Feministas, Florianópolis, vol.14, n.2, 2006.

MISKOLCI, R. Pânicos morais e controle social – reflexões sobre o casamento gay. In: Cadernos Pagu, Campinas, n.28, 2007.

[1] A definição de homossexualidade implica numa característica de um ser – humano ou não – que é homossexual (grego homos = igual + latim sexus = sexo). No sentido lato sensu, define-se homossexualidade pela atração física, emocional, estética e espiritual entre os seres do mesmo sexo.

[2] Neste trabalho tomamos como sinônimo casamento gay com casamento homo afetivo.

[3] O termo gay é politicamente empregado, foi instituído após o episódio de Stonewall em Nova York. Refere-se a um termo menos estigmatizante, e que hoje pode ser empregado tanto para o homem que se relacione homoefetivamente, quanto a mulher.

[4] Gênero neste trabalho deve ser lido como “(…) a normalização de conduta dos meninos e meninas, a produção dos saberes sobre a sexualidade e os corpos, as táticas e as tecnologias que garantem o ‘governo’ e o ‘auto governo’ dos sujeitos (LOURO, 1997, p. 42).

[5] É bom lembrarmos que essa denominação “homossexual” é um termo e uma concepção bem recente, mas que as relações entre as pessoas do mesmo sexo são históricas.

[6] Apesar do termo LGBT se referir apenas seis orientações sexuais, ele é utilizado para identificar todas as orientações sexuais minoritárias e manifestações de identidades de gênero divergentes do sexo designado no nascimento.