A origem do direito objetivo e subjetivo na sociologia de max weber: uma interpretação hermenêutica compreensiva

REVISTA SOCIOLOGIA JURÍDICA – ISSN: 1809-2721

Número 15 – Julho/Dezembro 2012

A origem do direito objetivo e subjetivo na sociologia de Max Weber: uma interpretação hermenêutica compreensiva

The origin of the objective and subjective law in the sociology of Max Weber: a hermeneutic interpretation understanding

Antonio Carlos da Silva – Graduado em Filosofia pela PUCPR. Especialização em Filosofia do Direito pela Unioeste (Pr),  MBA em Gestão Empresarial pela UCDB (MS) e Mestrado em Ciência Cognitiva e Filosofia da Mente pela Unesp (Marília, SP). Professor de Filosofia e Ética, Raciocínio Lógico e Sociologia Geral e do Direito da Faculdade Arnaldo Horácio Ferreira (FAAHF).

E-mail: acslogos@hotmail.comSite: www.acslogos.com/

Emerson Ferreira da Rocha – Graduado em filosofia pelo Centro Universitário Assunção e mestre em filosofia pela Universidade São Judas Tadeu-USJT. Coordenador dos cursos de filosofia e sociologia Lato Sensu da Universidade Gama Filho-UGF e professor da Universidade Camilo Castelo Branco-UNICASTELO.

E-mail: emersondarocha@hotmail.com.

Resumo: A pesquisa é sobre origem do Direito objetivo e subjetivo na Sociologia de Max Weber: Uma interpretação hermenêutica compreensiva. O interesse desse estudo se sustenta porque dentro da Sociologia jurídica, a de Max Weber, no Brasil, aparentemente, é menos estudada do que a de Karl Marx e Émile Durkheim. A pesquisa procurou responder a seguinte pergunta: Para Weber, o direto objetivo se origina e se estrutura a partir do direito subjetivo ou é o direito objetivo que origina e ordena o Direito subjetivo? O objetivo geral foi estudar a sociologia do direito de Max Weber e o objetivo específico, pesquisar a origem e a formação dos direitos objetivo e subjetivo. É uma pesquisa bibliográfica e usou-se o método Hermenêutico-compreensivo.

Sumário: 1. Introdução; 2. Fontes do direito subjetivo; 3. O formalismo do direito objetivo; 4. Considerações finais; 5. Referências bibliográficas.

Palavras-chave: Sociologia – Sociologia do Direito – Direito objetivo e subjetivo – Max Weber.

Abstract: The research is about the origin of the objective law and subjective law in the Sociology of Max Weber: a hermeneutic interpretation understanding. The interest of this study is sustained because within the sociology of law, Max Weber, in Brazil, apparently, is less studied than that of Karl Marx and Emile Durkheim. The research sought to answer the following problem: For Weber, the objective law arises and if structure from subjective law or is the objective law that creates and arranges the subjective law? The general objective was to study the sociology of law of Max Weber and the specific objective, searching for the origin and formation of objective and subjective law. It is a bibliographic research and used the hermeneutic method-comprehensive.

Keywords: Sociology – Sociology of Law – objective and subjective Law – Max Weber.

 

1 INTRODUÇÃO

Maximilian Carl Emil Weber (1864-1920), conhecido como Max Weber, incorporou em suas obras pontos de vista de Karl Marx e Friedrich Nietzsche. Com Marx compartilha a abordagem sociológica e com Nietzsche as ideias de reações psíquicas. Contrastando com Marx e Nietzsche, Weber se recusou a conceber ideias apenas como reflexos de interesses psíquicos ou sociais. Para ele, as esferas intelectuais, psíquicas, políticas, econômicas ou religiosas, seguem sua própria evolução. Enquanto Marx e Nietzsche veem correspondência entre ideias e interesses, Weber identifica as possíveis tensões entre uma esfera e outra. (WEBER, 2002, p. 43).

Para Weber, o fenômeno jurídico e as relações sociais são construções a partir de ações sociais individuais. A ação social é um comportamento humano, quando este age considerando o comportamento de outrem (ROCHA, 2009, p. 197). Sociologicamente, a definição de Direito objetivo é tida como o complexo de normas impostas às pessoas para regular suas relações sociais e o direito subjetivo é a faculdade que a pessoa tem para postular o seu direito, visando à realização de seus interesses que, weberianamente, seria uma ação social individual (CAVALIERI FILHO, 2010, p.1).

A Sociologia do Direito estuda como uma sociedade institui suas regras e leis que orientam as ações dos indivíduos no grupo, tendo como objeto a contribuição dos grupos sociais para a formalização dessas regras escritas ou não escritas. Então, a Sociologia do Direito procura entender como e por que são criadas as normas e como elas constituem um sistema jurídico específico (ROCHA, 2009, p. 12). A partir de tal afirmativa perguntamos: Para Weber, o direto objetivo se origina e se estrutura a partir do direito subjetivo ou é o direito objetivo que origina e ordena o Direito subjetivo? Na conclusão apresentamos a resposta para o nosso problema aqui colocado.

Esta pesquisa é bibliográfica, pois, procuramos resolver o problema acima colocado através de consultas de documentos e livros já publicados sobre o assunto. Portanto, foi uma pesquisa teorética e foi usado o método Hermenêutico-compreensivo. Teve como objetivo geral estudar a sociologia do direito de Max Weber e o objetivo específico, pesquisar a origem e a formação dos direitos objetivo e subjetivo.

A hermenêutica é a ciência que estabelece os princípios, leis e métodos de interpretação. Em sua abrangência trata da teoria da interpretação de sinais, símbolos de uma cultura e leis. A partir de um primeiro sentido no texto, o intérprete deve delinear o sentido do todo. Gardamer (1997, p. 402) afirma que aquele que compreende um texto realiza um projeto. Pois, “[…] a compreensão do que está posto no texto consiste precisamente na elaboração desse projeto prévio, que, obviamente tem ir sendo constantemente revisado com base no que se dá conforme se avança na penetração do sentido”. Assim, para compreender, o intérprete deve deixar-se determinar pela própria coisa.

O método compreensivo de Weber permite ao pesquisador destacar como ocorre a evolução das estruturas sociais e do Direito. Para Weber, o sociólogo deve integrar os métodos individualizante-compreensivo e o generalizante-explicativo. Pelo primeiro o pesquisador seleciona os dados da realidade e pelo segundo estabelece as relações explicativas (SELL, 2010, p. 110).

2 FONTES DO DIREITO SUBJETIVO

Para Weber (2009, p. 15), o direito subjetivo é fonte de poder visto que existe uma disposição jurídica, que pode ser concedida a alguém e que sem essa disposição seria totalmente impotente. Tal disposição jurídica é uma fonte de situações no interior da ação social[1].

O direito é composto por normas abstratas e com consequências jurídicas. São dessas normas que nascem os direitos subjetivos dos indivíduos para ordenar, proibir ou permitir ações para outrem. Para Weber (2009, p. 15), juridicamente esse poder de agir sobre os outros correspondem, sociologicamente, a três expectativas: 1) que pessoas façam determinadas ações; 2) ou que não façam algumas ações; 3) ou ainda, que pessoas, com autorização de terceiros, façam ou deixem de fazer determinadas ações. Essa autorização, segundo ele, é de suma importância para a economia. Pois, compreende o direito de liberdade contratual entre os indivíduos.

Ao longo do tempo o contrato de direito privado foi se diferenciando do contrato primitivo. Segundo Weber (2009), a principal diferença é que os contratos primitivos eram feitos entre membros de uma mesma comunidade e efetuados por atos mágicos. Eram contratos de confraternização, que se concretizavam pelo simbolismo da mistura de sangue ou saliva, num processo anímico de criação de uma nova alma. Pois, qualitativamente, um novo ser se integrava à associação. Já, os contratos com relação à troca de bens e mercadorias, denominados pelo autor de contratos funcionais, eram feitos com pessoas não pertencentes à comunidade.

Com o surgimento do dinheiro, segundo o autor, apareceu o contrato pecuniário, cujo arquétipo foi o contrato funcional. Com o contrato pecuniário foi eliminado o caráter mágico ou sagrado, tornando-se profanos os atos jurídicos. Assim, com o aparecimento do dinheiro criou-se o “nexum[2], o contrato de dívida per aes et libram[3], e a stipulatio[4], o contrato de dívida mediante a entrega simbólica de um objeto de fiança” (WEBER, 2009, 23). Para ele, essas formas contratuais do ius civile[5] romano, eram contratos pecuniários, pois tratavam de dívidas a serem pagas. Mas, o contrato pecuniário formal apareceu no Direito Romano com o ius gentium[6], em 450 a. C., na codificação da Lei das Doze Tábuas[7]. Com essa racionalização econômica do direito surgiu a ideia de ressarcimento do prejuízo, no lugar da ideia primitiva de vingança.

A sujeição a um direito especial constituía uma qualidade estritamente pessoal, que, para Weber (2009), era adquirido por usurpação ou concessão que o tornava um consorte jurídico. Assim, o direito romano era um direito dos cidadãos romanos, mas não o era para os não-romanos. Isso também ocorria com os não-muçulmanos dos impérios islâmicos. Já, os integrantes do império medieval podiam reclamar em muitas instâncias, por exemplo, ao senhor feudal, ao bispo, ao rei ou ao papa. O indivíduo levava consigo sua confissão jurídica. O direito não era uma lex terrae, não era profano, era privilégio de uma associação sagrada, seja um feudo ou a igreja.

Assim, na Idade Média, apareceram comunidades jurídicas que possuíam um direito especial de uso de determinados objetos, como, o uso de terras arrendadas ou de feudos. Esse direito especial não estava vinculado à posse de tais objetos, mas a posse desses objetos garantia a participação no direito especial. Historicamente encontramos em todos os tempos tais direitos especiais vinculados a condições técnicas e econômicas. Porém, segundo Weber (2009, p. 39), o fundamento desse tipo especial de direito não eram qualidades econômicas ou técnicas, mas qualidades determinadas pelo nascimento, ou pela condução da vida, ou ainda pela relevância da associação. Então, eram qualidades individuais “[…] e relações inerentes a coisas individuais que se encontravam nessa situação jurídica especial”. O sujeito privilegiado poderia reclamar, como seu direito subjetivo a disposição objetiva que lhe corresponde. Tais normas geralmente são vigentes, mas esse direito aparece como privilégio de algumas pessoas ou grupo. No Brasil, apontamos algumas qualidades individuais ou de associação que garantem direitos especiais como, por exemplo, as prerrogativas de ex-presidentes e ex-governadores, os foros especiais para políticos e juízes, prisão especial para detentores de diploma de curso superior, as cotas raciais, réu primário e com residência fixa responde em liberdade, crimes afiançáveis (aquele que não possui dinheiro para pagar a fiança, permanece preso), etc. E, uma qualidade determinada pelo nascimento é o filho de militar que nasce com vaga garantida para estudar nos colégios militares.

Para Weber (2009, p. 40), a expansão mercadológica e a burocratização dos órgãos das comunidades consensuais, foram as duas grandes forças do direito racional que começa com “[…] a subordinação de todas as pessoas e situações individuais a uma instituição” sustentada pelo princípio da igualdade jurídica formal. Assim, as forças motrizes dessa mudança foram, politicamente, a necessidade de mais poder para os governantes de um Estado cada vez mais forte e, economicamente, garantir e manter os interesses e privilégios do poder empresarial. Garantindo assim a formalidade do livre preço e de concorrência no mercado, liberdade para vender e comprar força de trabalho, etc. Cabe perguntar: A força motriz da economia é a política ou, a força motriz da política é a economia ou, ambas caminham separadamente? Weber afirmaria que existe uma tensão entre ambas e com uma tendência à separação delas. Marxianamente, a economia comanda a política (SILVA, 2012b).

Weber (2009) aponta que o direito comercial tem um conceito muito importante no seu desenvolvimento jurídico, que é o conceito de fides[8]. Esse conceito deriva, por um lado, das relações de piedade, por outro, das relações negociais, como fides bona, a boa-fé, que é a probidade nas relações comerciais. Também faz uma distinção entre resolução e contrato. Uma resolução é sustentada pela ideia de um acordo denominado pactus. Pelo pactus mantém-se a ideia primitiva de que uma resolução somente compromete aquele que participou dela e com ela concordou. Mas, essa concepção sempre esteve condicionada pelo caráter revelador da norma vigente. De acordo com este pressuposto, somente um direito era direito. Então, com o desaparecimento dos “[…] meios mágicos e carismáticos para encontrar o direito certo” (WEBER 2009, p. 46), se impôs que ideia que a vontade da maioria revela o direito certo, cabendo à minoria o dever de submeter a essa vontade revelada. Esse abandono dos meios mágicos e carismáticos como promotores das formas jurídicas, propiciou o aparecimento do direito racional. Portanto, para Weber, direito racional é a revelação da vontade da maioria. A essa ideia de direito revelado pela maioria e imposta à minoria o senso comum chamou de democracia e nós a denominamos de ditadura da maioria sobre a minoria. Pois, cinquenta por cento menos uma pessoa se submete à vontade de cinquenta por cento mais uma pessoa.

Com o crescimento da economia de troca entre membros estranhos à comunidade, cresceram também as formas de contratos funcionais, o que exigiu a criação de órgãos para legitimar tais relações contratuais e a “[…] solução técnico-jurídica deste problema foi a criação do conceito da pessoa jurídica” (WEBER, 2009, p. 46). A expressão “pessoa jurídica”, para o sociólogo, é uma tautologia porque

[…] o conceito que o direito tem da pessoa é sempre um conceito jurídico. Quando tanto um embrião quanto um cidadão com direitos plenos são tratados como portadores de direitos e deveres subjetivos, porém não um escravo, ambas as formas de tratamento constituem um meio técnico-jurídico para a obtenção de determinados efeitos. Nesse sentido, a personalidade jurídica é sempre artificial, do mesmo modo que se decide, exclusivamente, segundo características jurídicas convenientemente escolhidas, a questão de o que, em sentido jurídico, podem ser “coisas”. (WEBER, 2009, p. 46).

Pensamos que Weber cometeu dois equívocos sobre o conceito “pessoa jurídica”. Primeiro, um embrião não é sujeito de direito, mas apenas protegido pelo direito. Pois, embrião não exerce direito algum. Segundo, pessoa jurídica não pode ser tratada como coisa sensível, mas, apenas como ideia. Pessoa jurídica existe apenas como forma e não como matéria. Quando uma pessoa jurídica sofre uma multa, quem paga, em última instância, são as pessoas físicas dos acionistas que têm seus lucros reduzidos. Para confirmar esse tropo jurídico, desafiamos alguém algemar e colocar na cadeia uma pessoa jurídica. Weber caiu em naturalismo linguístico de senso comum, no qual se cria uma identidade entre o conceito e o objeto. O conceito de pessoa jurídica foi um artifício criado no mundo econômico para proteger os bens particulares dos sócios numa eventual derrocada negocial. Embora, no trato da Sociedade Personificada, o Código Civil brasileiro, no artigo 1024º, faça ressalva quanto aos bens particulares dos sócios. Reza tal artigo que “Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais”. Assim, no Brasil, os bens particulares, secundariamente, são solidários aos bens sociais do empresário. Porém, isso não ocorre na maioria dos países capitalistas.

Com a evolução do ordenamento das relações jurídicas na sociedade de contratos ocorreu uma diminuição dos compromissos e um aumento da liberdade individual no mais variados sentidos. Ocorreu também um aumento na esquematização da condução da vida. Esse aumento da esquematização da vida não poderia

[…] ser deduzido unicamente do desenvolvimento das formas jurídicas, pois nem a maior variedade possível, formalmente existente, de esquemas contratuais permitidos, nem a autorização formal de criar à vontade conteúdos contratuais independentes de todos os esquemas oficiais garantem que essas possibilidades formais […] sejam acessíveis a todo mundo. Isso impede […] a diferenciação, garantida pelo direito, da distribuição efetiva da propriedade. (WEBER, 2009, p. 65).

Assim, formalmente, o direito passou a garantir ao trabalhador a liberdade para fechar contrato de trabalho com qualquer empresário que desejasse comprar a sua força de trabalho. Porém, segundo Weber (2009), pela falta de garantia na distribuição da propriedade, o trabalhador não tem a liberdade de fixar as condições de trabalho e de remuneração. Portanto, somente o empresariado tem tal poder, restando ao trabalhador aceitá-las ou rejeitá-las.

Podemos concluir que, essa liberdade de contrato foi a possibilidade de cada homem usar, sem barreiras jurídicas, seus bens de que são proprietários. No caso do empresariado, são uso dos meios de produção de bens e serviços e no do operariado é o de vender “livremente” a sua força de trabalho para quem desejar comprá-la.

A partir dessa ideia weberiana podemos, sociologicamente, distinguir o escravo do operário. O escravo não tem liberdade para trocar sua força de trabalho por dinheiro e sua sobrevivência é garantida pelo seu dono e que é, formalmente, diferente do escravo. No trabalho escravo, o trabalhador é obrigado a trocar, com única pessoa, sua força de trabalho por outras mercadorias (comida, vestuário, moradia). Ou seja, o escravo troca o seu trabalho, que é mercadoria, por outra mercadoria. A relação é mercadoria → mercadoria (M → M). O operário, diferentemente, pode vender-se livremente por dinheiro, não tem um dono e, formalmente, é igual ao seu comprador. Assim, o operário tem “liberdade” para vender pelo “melhor” preço a sua força de trabalho. Com o dinheiro da troca da sua mercadoria, o operário adquire outras mercadorias que garantem a sua sobrevivência. Portanto, no sistema de operariado entra a variável “dinheiro” e a relação passa a ser “Mercadoria  → Dinheiro → Mercadoria” (M → D → M). (SILVA, 2012a).

Podemos inferir que esse direito subjetivo do operariado, que é a liberdade de vender a força de trabalho, é situacional. Pois, depende da situação do mercado. Se o mercado está em expansão, diminui o desemprego e esse direito pode ser exercido com mais facilidade. Porém, se o mercado está em recessão, tal liberdade não se realiza tão facilmente e o operário enfrenta as vicissitudes mercadológicas. O escravo independe de mercado e sua comida, moradia, vestimenta e saúde estariam garantidas pelo seu dono. Pois, escravo doente ou morto é prejuízo. Não queremos com isso afirmar que ser escravo é melhor ou pior do que ser operário. Queremos apenas, como Weber, apontar a funcionalidade desses dois sistemas e os supostos direitos subjetivos.

3 O FORMALISMO DO DIREITO OBJETIVO

No formalismo do Direito objetivo Weber (2009, p. 67) procura responder a seguinte indagação: “Como surgem novas regras jurídicas?” Ele responde que hoje as normas, geralmente surgem por leis consideradas legítimas por uma convenção ou por imposição associativa de um grupo ou de uma classe social.

Essa posição de Weber parece-nos razoável, embora a convenção ou imposição classista, para ele, não possui conotação puramente econômica, como para Marx[9]. Mas, tal imposição pode surgir por questões religiosas, econômicas ou políticas. Weber tentou por todas as maneiras fugir do exclusivismo econômico.

Para o nosso sociólogo o direito não estatuído, chamado de consuetudinário, é um efeito da jurisprudência do direito comum, que surgiu tardiamente no direito romano. Dá como exemplo de direito consuetudinário a Common Law[10] inglesa e a considera como o oposto do direito estatutário chamado, no Reino Unido, de Statute Law. Ele critica a Common Law, afirmando que os juízes que se orientam por ela são uma espécie de oráculo vivo. Pois, o oráculo autêntico se distinguia da forma judicial da Common Law somente pela inexistência de razões racionais. Para Weber (2009, p. 79), o juiz não deveria interferir na área da aplicação do direito. Pois, seu cargo não lhe atribui “sabedoria carismática[11]”. O juiz deveria seguir o escrito na lei e fazer com que as partes prefiram a paz concedida pelo tribunal, abandonando suas iniciativas vingativas.

O direito consuetudinário, segundo Weber (2009, p. 67), tem vigência por “[…] 1) haver exercício comum efetivo; 2) haver convicção comum da legitimidade; 3) ser racionalizável”. Lembrando que essa racionalização, para ele, é o abandono das forças sobrenaturais como geradoras ou como força de coação da norma. Percebermos que, pelas características de vigência do direito consuetudinário, embora não-estatutário, sua sustentação é dada por precedentes compromissórios. E, para a Sociologia do Direito, o que interessa é saber se a construção do direito consuetudinário apresenta alguma coisa sobre a origem da sua vigência empírica do direito criado de forma não estatutária. Ele aponta como problema típico da consuetudo, como fonte de direito, é encontrar um compromisso entre um direito racional, que pretende vigência universal, e os direitos locais existentes. Por exemplo, no império romano existia uma oposição entre o direito do império e os direitos existentes nas províncias. Na Inglaterra, também existia uma oposição entre o direito nacional da Common Law e os direitos locais. Weber (2009, p. 68) chama atenção para a definição do idschmâ islâmico como tacitus consensus omnium[12] que nada tem com o direito consuetudinário, porque é algo tido como sagrado e para ele, coisas sagradas perdem o estatuto de direito.

Weber (2009) argumenta que, teoricamente, certos comportamentos, são tidos como compromissos supra-individuais e incluídos como consensos conscientes ou semiconscientes de que os outros agirão da mesma forma. Sendo que esses consensos se opõem às normas garantidas por aparatos coativos. Então, opondo-se às normas positivadas cabe perguntar qual é a origem de tal comportamento capaz de produzir novos compromissos supostamente coletivos? Para Frederico Charles de Savigny, fundador da Escola Histórica do Direito, esse movimento não é produzido por uma divindade ou pela razão, mas pela consciência coletiva dos povos (Volks geist), que produz novas tradições e costumes (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 5).

A concepção dada pela Escola Histórica é cientificamente inútil, segundo nosso sociólogo. Pois, em todos os tempos temos o surgimento supostamente inconsciente de regras empiricamente vigentes para a ação e isso ocorre, segundo ele, devido à modificação das condições de existência material que faz aflorar os consensos empiricamente válidos. Porém, ele complementa, numa tentativa de fugir do economicismo, que a simples “[…] modificação das condições externas não é […] suficiente nem indispensável, pois o decisivo é sempre um novo tipo de ação que leva à mudança da significação do direito vigente ou à criação de um direito novo” (WEBER, 2009, p. 68). Pois, nessa ação participam várias pessoas interessadas numa ação social concreta para proteger e favorecer seus interesses econômicos ou sociais. Sendo que esses interessados podem ser de grupos econômicos, políticos, étnicos ou religiosos que julgam que a coação jurídica-política é muitas vezes considerada desnecessária. Aparentemente essa posição weberiana, ao tentar fugir do exclusivismo econômico, é correta. Pois, Weber desvincula os movimentos políticos, étnicos e religiosos do movimento econômico. Porém, ao fazer essa desvinculação ele coloca esses grupos num profundo solipsismo, cujos interesses, supostamente, não seriam movidos pelo sistema econômico. 

Embora Weber (2009) critique a Escola Histórica, ele não demonstra qual é a origem das ações que fazem surgirem novas normas em oposição às normas vigentes. Para resolvermos a questão seria suficiente tomarmos a economia como princípio fundante de todo movimento social. Então, mesmo as normas religiosas, cuja origem supostamente é o sagrado, estaria assim sustentadas pelas condições econômicas de cada povo. Pois, ao olharmos a história das religiões percebermos que qualquer uma delas só se sustenta se possuir um forte aparato econômico. Poderia surgir a pergunta: E quem garante esse aparato econômico das religiões? São os grupos interessados em manter ou em mudar o modelo econômico de sua época. Temos exemplos claros nos quais pecados mortais do direito sagrado foram revogados por mera função econômica. Um deles é o pecado de usura. Por mudanças econômicas tal pecado não cabia mais no novo sistema econômico. Então, criou-se uma figura fictícia, chamada pessoa jurídica, a qual não pode ser punida, dando-lhe o direito de usura. Porém, para pessoas físicas, mantém-se a usura como falta grave, tanto no direito sagrado, como no direito jurídico-político. Do passado recente, embora não no âmbito do sagrado, podemos citar as campanhas contra o uso do tabaco. O senso comum pensa que tais campanhas foram em função de melhorar a saúde da população. Essa é apenas uma parte da verdade. A verdade maior está nos baixos lucros que as companhias de seguro de vida e dos planos de saúde vinham tendo em função de câncer acelerado pelo tabaco. Pois, os doentes de câncer reduz o tempo de contribuição nos seguros de vida e causa altos custos para os planos de saúde. Na atualidade brasileira temos outro exemplo de ação oposta à norma jurídica-política, que foi a decisão do Conselho Federal de Medicina em garantir aos doentes terminais o direito de aceitar ou não o tratamento no caso de doença em fase terminal. Pelo discurso corrente, o senso comum pensa que tal ação foi motivada pela humanização da medicina e pelo respeito à dignidade humana, mas não foi. O motivo maior dessa ação foi econômico. Pois, a distanásia estava onerando excessivamente os cofres do Sistema Único de Saúde (SUS), dos planos de saúde e a economia das famílias dos doentes.

Anteriormente nosso autor afirmou que o juiz não deveria se imiscuir na produção de leis, porém ele aponta que as decisões jurídicas são geradoras de normas jurídicas-políticas. Pois, o juiz, ao “[…] decretar a garantia coativa num caso concreto e por razões concretas” (WEBER, 2009, p. 71), torna tal a norma, direito objetivo. Podemos exemplificar esses atos com as jurisprudências criadas por súmulas do Poder Judiciário brasileiro, em todas as áreas do Direito. Dentre os milhares de exemplos, apontaremos apenas um, que é recente, na área da família. É afirmado na Constituição Federal de 1988, artigo 226, parágrafo 3º e reafirmando no Código Civil de 2002, em seu artigo 1723º, que “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher […]”. Porém, em súmula STJ reconheceu a possibilidade jurídica do casamento homoafetivo por considerar que o Código Civil não o veda expressamente (ESPAÇO VITAL, 2012). Não que sejamos contra o casamento homoafetivo, mas, do ponto de vista lógico, é falsa a afirmativa do STJ. Pois, a redação dos artigos usa o conectivo “e”, então, só terá valor lógico “verdade” a união entre um homem “e” uma mulher. Em todos os demais casos serão falsos. Portanto, essa decisão, do ponto de vista lógico-jurídico, se opõe frontalmente a esses artigos. Mas, o que movimentou efetivamente o judiciário para assim agir? Tal movimento se deu por mudança de valor no casamento. Anteriormente o valor maior, no casamento, era a procriação, para garantir a reposição de mão de obra farta e barata. Como no sistema de desenvolvimento capitalista está ocorrendo excesso de mão de obra e, consequentemente, promovendo um alto índice de desemprego com elevados custos econômicos e sociais, tal valor mudou. Agora o valor maior no casamento é o afeto. O valor afeto se tornou maior que a procriação. Portanto, essa mudança não ocorreu por amor ao Amor, como pensa o senso comum, mas, por questões puramente econômicas.

Assim, o Poder Judiciário deixa de ser aplicador para se transformar em gerador de normas. Historicamente a jurisprudência nasceu para combater a Common Law. O rei nomeava juízes que criavam regras que se opunham a Common Law. Nesse aspecto Weber tem razão. Porém, não podemos deixar de perguntar a quem e a quais interesses serviam e servem tais juízes? Ele tenta responder essa pergunta afirmando que toda ação, “[…] independentemente de sua origem, parece ser um produto da única e eterna tradição verdadeira, convertendo-se num esquema que pelo menos pretende vigência permanente” (WEBER 2009, p. 72). Conclui afirmando que tal tradição é o interesse de grupos ou classes sociais. Pois, os pactos racionais,

[…] com referência a fins, criados de modo progressivamente consciente pela ação dos indivíduos ao delimitarem, com a ajuda de “advogados” treinados, suas respectivas esferas de interesses e os precedentes “dos juízes” são, portanto, fontes primárias da formação de normas jurídicas (WEBER 2009, p. 72).

Ele complementa afirmando que com isso não quer negar a participação determinante do “sentimento de justiça” na criação do direito. Mas, por ser puramente emocional, esse sentimento não pode sustentar normas que se pretendem estáveis. Por isso, muitas vezes esse sentimento é fonte de grandes irracionalidades no direito. A questão da justiça, abordá-la-emos nas considerações finais. Mas, pensamos que o que não pode ser negado são os interesses econômicos como fontes primárias das normas jurídicas.

O nosso autor pondera que onde quer que se encontre concebida a ideia de normas vigentes para as ações e compromissos, sua legitimação fundamenta-se na “[…] santidade absoluta de determinados hábitos”, sendo que o “[…] distanciamento deles pode provocar malefício ou a inquietação dos espíritos ou a ira dos deuses” (WEBER, 2009, p. 73). Por outro lado, ele afirma ainda que há normas que nascem como novas regras conscientemente impostas. Mas, isso só ocorre por uma nova revelação carismática. Essa revelação pode ser por uma decisão individual, que mostra concretamente o justo. Ou, pode ser também a de uma norma geral que estabelece como deve ser uma ação futura em casos semelhantes. Para ele, a revelação jurídica é o primitivo elemento revolucionário em oposição à estabilidade da tradição. Portanto, essa revelação seria a fonte primária do direito estatuído.

Sabemos que, para nosso sociólogo, tal revelação não é de inspiração divina. Assim, cabe perguntar: Qual ente promove essa inspiração e revelação? Então, Weber não mais consegue usar subterfúgios e responde que essa

[…] inspiração de novas normas […] o caso normal é que, quando mudanças nas condições econômicas ou de existência exigem novas normas para problemas até então não regulamentados, são obtidas artificialmente, mediante meios mágicos dos diversos tipos possíveis. O portador normal dessa forma primitiva de adaptação de ordens a situações novas é o feiticeiro, ou o sacerdote de um deus oracular, ou um profeta. (WEBER, 2009, p. 74).

Com muita relutância ele assume que, “normalmente”, a fonte geradora de normas jurídicas-políticas são as mudanças econômicas. Concordamos com Weber quando afirma que, ao lado do caráter formal do procedimento, temos o caráter irracional dos meios de decisão e que o direito objetivo que se manifesta nos veredictos é, geralmente, inteiramente variável e flexível. Pois, a decisão concreta carece de todas as razões lógico-racionais, que na antiguidade era o veredito de um sábio carismaticamente qualificado, ou de um ancião conhecedor da tradição e atualmente, de um juiz nomeado pelo poder político.

Segundo Weber (2009), o procedimento jurídico primitivo, ao longo de sua história, desenvolveu-se de modo rigorosamente formal e desembocou numa sentença probatória condicional, que atualmente corresponde ao juramento das partes de dizer somente a verdade. Assim, para ele, a grande inovação do rei Henrique II, da Inglaterra, foi a substituição dos antigos meios de prova mágico-irracionais pelo testemunho de doze pessoas que, sob juramento, prometiam dizer a verdade. Como as partes consentiram sujeitar-se à sentença dos doze jurados, em lugar do antigo procedimento irracional, nasceu assim o júri. Então, o júri passa a ocupar o lugar da consulta do oráculo.

Evidentemente que, para Weber (2009), uma vez positivada a norma pela vontade política de um grupo, aparentemente ela deixa de ser irracional, pois abandonou o caráter mágico e sagrado. Porém, ele faz uma ressalva afirmando que tanto o júri quanto o oráculo não garantem a racionalidade do direito objetivo. Visto que, algumas decisões jurídicas concretas não resultam num precedente compromissório para sentenças futuras em outras causas iguais, que garantiria a eliminação do caráter irracional de decisões em questões de direito. Então, podemos inferir que, para Weber, o caráter racional das normas jurídicas-políticas é dado por três parâmetros: 1) Sua origem deve estar na vontade de um grupo social; 2) Deve haver sujeição dos integrantes daquela sociedade; 3) Uma decisão jurídica deve, invariavelmente, valer para todos os casos semelhantes. Essa terceira característica remete as decisões jurídicas para uma previsibilidade lógica formal. Então, direito racional, para ele, é o direito dos cálculos lógicos formais.

Queremos também apontar que, historicamente, a prova testemunhal possui forte conotação religiosa, cuja irracionalidade, para usar a expressão weberiana, está em acreditar que aquele que jura diante de um livro sagrado ditado por um suposto sujeito divino, dirá a verdade e somente a verdade. Embora alguns adeptos da prova testemunhal sustentem que, se a testemunha mentir, pode-se demonstrar de forma clara e precisa tal mentira. Eles afirmam que pelo método Dialético Socrático-platônico faz-se parir a verdade. Outros afirmam que pelo encadeamento lógico do discurso da testemunha descobre-se a verdade ou a falsidade do testemunho. Este processo é chamado Veritas, que é uma sofisticação da dialética platônica. Porém, o critério de verdade usado em ambos, é o critério da fé. Ou, tem-se fé que a testemunha está falando a verdade, ou tem-se fé a testemunha está mentindo. Uma testemunha pode mentir deliberadamente ou porque se equivocou na leitura do fato do mundo. Atualmente os defensores da prova testemunhal argumentam que na prova material também ocorrem equívocos. Isso é verdade. Mas, a fragilidade da prova material é menor do que da prova testemunhal, visto que aquela independe da vontade humana. A prova testemunhal é um conhecimento de primeira pessoa. Pois, somente o sujeito do testemunho tem acesso ao objeto observado, que é o seu discurso, verdadeiro ou falso e aí está a sua fragilidade. Já, na prova material, como é um conhecimento de terceira pessoa, todos os observadores têm acesso ao objeto observado, e aí reside toda a sua sustentabilidade (SILVA, 2012c).

Quando surge um poder que delimita as suas funções, ao que Weber (2009) nomina de imperium, então, aparece a distinção entre a ordem legítima e a norma legitimadora dessa ordem. Pois, da tradição sagrada a legitimidade é apenas objetiva, isto é, externamente um sujeito divino legitima o ordenamento da ação e na tradição carismática a legitimidade é apenas subjetiva pela legitimidade pessoal do ancião. Ou seja, a vontade do ancião, pelo seu carisma, legitima a ação. Segundo nosso sociólogo, nessas duas concepções essas coisas permaneciam indistintas. Pois, não existiria uma distinção clara entre a ordem legítima, a pretensão legítima e a norma legitimadora. Já, o imperium é considerado, pelo sociólogo, uma qualidade jurídica concreta de seu portador e não uma competência objetiva. O imperium seria as normas jurídicas-políticas e garantidor de tais normas.

Segundo Weber (2009, p. 82), o imperium de um líder militar conquistador abrange inúmeros assuntos. Sendo um deles o do ordenamento jurídico, que na paz seriam reguladas por normas consensuais e em época de guerra “[…] têm que ser criadas do nada, na forma de estatutos consensuais ou impostos”. Essa afirmativa “criada do nada”, provavelmente, é um erro de tradução. Pois, Weber não seria ingênuo para afirmar que normas são criadas a partir do nada. Ele sempre afirmou que as normas, mágicas ou racionais, são criações da vontade subjetiva de um, sacerdote, juiz, líder político ou guerreiro.

O líder guerreiro vencedor e seu exército dispõem do espólio, do território conquistado e dos prisioneiros. Podendo, no interesse da segurança sua e de seus guerreiros, criar tanto novos direitos individuais quanto novas regras gerais. Weber (2009, p. 82) pondera que nas situações de guerra, sob as “[…] necessidades prementes de proteção contra inimigos externos e internos, a criação e a aplicação do direito mostram a tendência a formas mais racionais”. Com isso Weber quer afirmar que embora ocorra um ajustamento entre o imperium do líder guerreiro e os ordenamentos dos guardiões seculares ou sacerdotes da tradição sagrada, tende a prevalecer um novo procedimento jurídico não mágico. Por isso, segundo ele, o imperium do líder guerreiro é de suma importância para a outorga e a promulgação de uma nova constituição. Temos como exemplo a constituição brasileira de 1967 e os atos institucionais promulgados pelos militares a partir de 1964. Outro exemplo foi a ocupação do Japão após a segunda guerra mundial, liderada pelo General do Exército dos Estados Unidos Douglas Mac Arthur, que revisou a constituição japonesa e desmilitarizou o Japão. Tanto no primeiro exemplo como no segundo, os lideres guerreiros, para implantar a nova constituição, fizeram acordos com guardiões seculares ou sacerdotes da tradição sagrada.

Outra força que contribuiu para a secularização do direito, segundo nosso sociólogo, foi o surgimento político da onipotência da comunidade judicial, tornando-se a única portadora soberana da criação e da aplicação do direito. Nas sociedades nas quais a comunidade jurídica se tornou soberana, sua aplicação passou a não depender mais do “[…] arbítrio ou das emoções daqueles para os quais pretende valer, aos quais não quer ‘servir’, mas dominar” (WEBER, 2009, p. 84). Tornando-se assim, um produto da revelação subjetiva dos sábios jurídicos.

A formalidade jurídica-política nasceu da participação da comunidade e do conhecimento jurídico dos leigos, porém não se pode negar que a sua formulação é “[…] produto de cabeças individuais, profissionais ou diletantes, na maioria das vezes de profetas jurídicos que se entregam à cisma sobre as máximas de decisões repetitivas” (WEBER 2009, p. 85). Assim, o direito em sua totalidade é formalmente um “direito de juristas”, visto que sem o conhecimento desses especialistas, o direito não assumiria a forma da regra racional. Porém, segundo Weber (2009), tal direito é materialmente “direito do povo”. Pois, para o sociólogo, um direito formalmente desenvolvido nunca existiu sem a colaboração decisiva dos especialistas jurídicos. Conclui afirmando que “[…] para nós, são especialmente interessantes os caminhos e destinos da racionalização do direito”, ou seja, o caminho do desenvolvimento das qualidades específicas do direito formal elaborada pelos especialistas da área jurídica.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para resolvermos a questão da origem dos direitos subjetivo e objetivo vamos seguir o mesmo caminho feito por Weber (2009, p. 1), fazendo primeiramente uma distinção sociológica entre o direito público e o direito privado, que para ele é primordial na Sociologia do Direito. Assumiremos como direito público, o conjunto das normas vigentes para as ações “[…] que se destinam à conservação, à expansão ou à execução direta dos fins” do Estado. E, as demais normas que não se referem à expansão ou à execução direta dos fins da instituição estatal é direito privado.

Essa distinção feita por ele é aceitável. Pois, poderíamos afirmar marxianamente que o direito público é o conjunto de leis referentes à superestrutura e o direito privado é outro conjunto de leis que se referem à infraestrutura, mas, nenhum desses conjuntos estaria desvinculado do Estado (SILVA, 2012b). Pois, ambas são sustentadas pelo poder coercitivo estatal. Essa nossa compreensão vai ao encontro da definição de Estado dada por Weber (2002, p. 56) que afirma que “[…] O Estado é uma comunidade humana que pretende com êxito, o monopólio do uso da força física dentro de determinado território”. Como o Estado tem o monopólio da coerção física, infere-se que ele é o garantidor dos direitos público e privado.

Por isso pensamos que tal separação, sociologicamente, não é primordial como afirma Weber e preferimos uma definição mais abrangente de direito dada por Kant (1993, p. 44), que afirma que o direito como ciência, que é o que nos interessa, é “o conjunto de leis suscetíveis de uma legislação exterior”. Para nós, não para Kant, essa exterioridade é a vontade de um grupo ou classe social. Porém, esse filósofo adverte que tal ciência tomada como puramente empírica é como cabeça sem cérebro. Discutiremos somente a concepção weberiana de racionalidade porque a racionalidade kantiana difere profundamente da racionalidade weberiana.  

Como vimos, para Weber (2009) a criação e a aplicação do direito podem ser racionais ou irracionais. São irracionais as normas criadas e aplicadas de forma que não se pode controlá-las, por exemplo, as consultas a oráculos ou revelações divinas, etc. Essas normas são materialmente irracionais, porque são de natureza ética emocional ou política. Ele separa o direito da religião e da política. Na religião, segundo ele, as ações do homem são orientadas pela ética da confiança[13] e na política a orientação é dada pela ética da responsabilidade[14]. Embora essa última seja mais crítica, mas, segundo o sociólogo, é inadequada para as decisões jurídicas.

O direito é racional na medida em que se limita a considerar as características gerais unívocas dos fatos. A função do direito racional é coordenar e racionalizar logicamente as regras jurídicas, cuja vigência é reconhecida num sistema, internamente consistente, de disposições jurídicas abstratas. Isto é, como apontamos anteriormente, o caráter racional das normas é dado pela vontade de um grupo social, pela sujeição dos integrantes daquela sociedade e uma decisão jurídica deve, invariavelmente, valer para todos os casos semelhantes. Inferimos assim que, entre uma suposta justiça e a segurança jurídica, Weber opta pela aplicação da norma positivada. Pois, para ele, justiça é um sentimento e esse sentimento seria a concordância da expectativa do direito subjetivo com as normas objetivas. Assim, justiça existiria somente para aquele que teve seus interesses atendidos. Por isso pensamos que, como a justiça não pode ser universalizada, ela é apenas uma ideia. Uma bela ideia, que jamais se realizaria concretamente. 

As normas positivadas, chamadas por Weber de direito objetivo, que é conjunto sistemático de normas constitucionais, civis, penais, administrativas, etc. destinado a organizar a sociedade e disciplinar a conduta do homem socialmente. E qual é a origem desse direito? Segundo o nosso autor, a fonte do direito são as leis consideradas legítimas por uma vontade associativa de um grupo ou de uma classe social ou ainda, por imposição da vontade de um sacerdote, de um juiz, de um líder carismático ou de um guerreiro vencedor. Weber esquece que líderes, sacerdotes e juízes pertencem a uma classe social com interesses econômicos e sociais. Assim, podemos inferir que a fonte do direito objetivo é a vontade de uma classe social. Pois, a vontade de um líder ou de um sacerdote deve ter a anuência do seu grupo ou classe social.

Quanto ao direito subjetivo, tido por Weber como expectativa de direito e fonte de poder, só o é porque é reconhecido pela ordem jurídica positivada, que assegura a determinadas pessoas fazer ou deixar de fazer alguma coisa, ou de exigir de outrem que, em seu favor, faça ou deixe de fazer alguma coisa. Se, é uma expectativa, é direito em potência, mas não em ato. Mesmo assim, cabe perguntar: Qual é a origem dessa potência de direito subjetivo? Segundo nosso sociólogo, o direito, no todo, é composto por normas e com consequências jurídicas e são nessas normas que está a origem do direito subjetivo dos indivíduos para ordenar, proibir ou permitir ações para outrem. Por exemplo, os supostos Direitos Humanos dados pela ONU, só existem nos países que possuem leis positivadas garantindo tais direitos individuais. Logo, o direito subjetivo não existe sem o direito objetivo. Portanto, o direito subjetivo é apenas uma redundância jurídica.

Weber pondera que o direito, em sua totalidade, é formalmente um “direito de juristas” e materialmente um “direito do povo”. Pois, sem o esforço desses especialistas o direito não tomaria a forma de regra racional. E, materialmente esse direito vai beneficiar ou não ao povo. Novamente, Weber esquece que juristas pertencem a uma classe ou grupo social, com interesses sociais e econômicos. Porém, concordamos com tal afirmativa e damos um exemplo para esclarecer essa concordância. O Código Civil brasileiro, promulgado em 2002, teve como mentor principal o filósofo jurista Miguel Reale. Esse emérito professor elaborou esse código, que foi aprovado pelos representantes do povo. Assim, também foi na Constituição de 1988, a qual foi elaborada por especialistas no direito e o mesmo está acontecendo na elaboração do novo Código Penal. Mas, não podemos esquecer que uma classe social tem maioria no Congresso Brasileiro e que esse congresso é maior do que todos os códigos ali aprovados. Pois, pode mudá-los segundo a vontade dessa maioria. Esse congresso também sofre de uma gravíssima dessemelhança entre o representante e representado. Qual a semelhança que existe entre o representado (povo) e o representante (congresso)? Nenhuma. Pois, para ter um mínimo de semelhança, se a sociedade, por exemplo, for composto por 7% de classe “A”, 28% de classe “B” e 65% de classes “C” e “D”, o congresso, como imagem especular, deveria acompanhar a mesma composição desses números relativos e isso não ocorre. Isso também afirmaria Weber (2002) com seu método compreensivo tipológico. Mas, é interessante notar que, quando mais diverso for o congresso, mais o homem de rua se sente representado.

Embora pensemos que direito, lei e justiça sejam problemas puramente linguísticos, mesmo assim, podemos concluir que, para Weber, é no direto objetivo que se origina e se estrutura o direito subjetivo. Como o direito objetivo, para ele, tem origem na vontade de uma pessoa que, posteriormente, é referendado pelo seu grupo social, então, a fonte do direito subjetivo é a mesma do direito objetivo. Ou seja, é a vontade de um grupo ou classe social.

REFERÊNCIAS

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[1] Ação social significa uma ação que, quanto a seu sentido visado pelo agente ou pelos agentes, refere-se ao comportamento de outros, orientando-se por este em seu curso (WEBER, 1994, apud SELL, 2010, p. 114)

[2] Contrato pelo qual colocava o devedor subordinado ao credor até total quitação da dívida. Caso o devedor não pagasse, tornar-se-ia escravo ou respondia pela dívida com o seu próprio corpo (BALDON, 2012).

[3] Pelo bronze e pela balança, antiga solenidade da qual deriva o nexum. O vendedor dá-se em venda (autoemancipação) ou em penhor (autoempenhamento) ao credor para garantir o cumprimento de uma obrigação, que envolve não só o devedor, mas também seus familiares (Ibid. 2012).

[4] No Direito Romano era o contrato formal e unilateral, no qual se pronunciavam solenemente que o tornava obrigatório depois de seu pronunciamento (Ibid. 2012).

[5] Segundo DEL VECCHIO (2006, p. 37), é o direito “[…] vigente para cada povo, em particular”.

[6] Segundo DEL VECCHIO (Ibid.), é o direito “[…] observado por todos os povos, que serve de base a suas relações recíprocas porque se funda sobre suas comuns necessidades, não obstante as modificações que as diversas circunstâncias tomam necessárias”.

[7] Segundo Marky (1995, p. 05) é “[…] o complexo de normas vigentes em Roma, desde sua fundação (lendária, no século VIII a. C.) até a codificação de Justiniano (século VI d. C.)”.

[8] Confiança (livre tradução).

[9] Para Marx “[…] a totalidade destas relações de produção forma a estrutura económica da sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem determinadas formas de consciência social” (MARX; ENGELS, I, 1982, PCEP, p. 531, apud SILVA, 2012b, p. 6).

[10] Segundo Reale, Common Law é […] experiência jurídica ligada ao elemento fático, aos usos e costumes e aos precedentes jurisdicionais (REALE, 1999, p.465)

[11] “Qualidade […] extraordinária […] de uma personalidade, cuja virtude é considerada como possuída por forças sobrenaturais ou sobre-humanas […] ou como enviada de deus”. (WEBER, 1992, p. 193 apud AMORIM, 2001, p. 117).

[12] Algo aceito por todos (livre tradução)

[13] Compromisso com valores de uma determinada crença. É dogmática e pacifista. (MARCONDES, 2007).

[14] É a responsabilidade pela ação e a relação entre meios e fins. (ibidem).