A natureza da qualidade: considerações acerca das diferenças de gênero no trabalho prisional

REVISTA SOCIOLOGIA JURÍDICA – ISSN: 1809-2721

Número 03 – Julho/Dezembro 2006

A natureza da qualidade: considerações acerca das diferenças de gênero no trabalho prisional

Natália Corazza Padovani – Graduanda do curso de ciências sociais da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Realizou pesquisa de iniciação científica nos anos de 2004 e 2005, com orientação de Ruy Braga e Vera Telles respectivamente, acerca das transformações sociais do trabalho e suas incursões na prisão. Menção Honrosa pela participação oral no 13° Simpósio de Iniciação Científica da USP e participação, com apresentação por pôster, no 57° encontro da Sociedade Brasileira de Pesquisa e Ciência em Fortaleza.

E-mail: nataliacorazzap@yahoo.com.br

Resumo: Esse artigo é resultado da pesquisa de iniciação científica elaborada com fomento CNPq / PIBIC, orientada por Ruy Braga e Vera Telles, nos anos de 2004 / 2005, na Penitenciária Feminina do Tatuapé. O objetivo era averiguar de que maneira o trabalho encarcerado da mulher estava sendo influenciado pelas reestruturações do trabalho social, tendo em vista que a prisão exerce papel regulamentador na constituição moral da sociedade.

Sumário: 1. O trabalho prisional: considerações gerais; 2. Divisão sexual do trabalho: seus reflexos no cárcere; 3. Considerações finais; 4. Bibliografia.

Palavras-chave: Trabalho – prisão – gênero – reestruturação  produtiva

Hanna Arendt, em A condição humana, possibilita pensar o trabalho como a categoria que fundamenta a sociedade moderna. É por meio dele que, na modernidade, ocorre a convergência das atividades que visam a satisfação das necessidades (dantes caracterizadas como parte integrante da esfera privada) com as relações políticas, agora, geradas e mantidas pela interdependência própria da organização produtiva fragmentária.

O trabalho, contudo, sendo parte do emaranhado social, é carregado de, e agregado por, infinitas nuances e códigos inerentes às relações humanas. É por meio dessa imagem que se pretende demonstrar como diversas significações podem ser dadas ao trabalho de acordo com os tipos de enlace que ele faz com os fios que o interconectam e que, por sua vez, são distintamente rearranjados pelos atores sociais com os quais se relacionam, ou que são por eles relacionados.

Não por acaso, José Ricardo Ramalho conduziu o seu estudo acerca do presídio Carandiru pelo caminho do trabalho, este se impôs a ele de modo flagrante, pois a prisão esquematiza pela negativa (a utilidade pela inutilidade, a legitimidade pela ilegitimidade, o trabalho pela vadiagem) os valores pungentes da sociedade. Pensar em questões penitenciárias é, assim, pensar na contrariedade imprescindível à formalização das normas, é pensar em que medida essas mesmas normas inserem-se e são lidas dentro dessa instituição.

Todavia, e por isso mesmo, a prisão, ao ser um elemento fundamental da orquestração social, não pode deixar de ter, imbricados em seus muros, os princípios que constroem a sociedade. São esses que, ao compor diferentes edificações, passam a ser de composição similar, mas, em larga medida, de naturezas diversas.

Ao longo desse artigo, procurar-se-á elucidar de que modo as transformações da regulamentação do trabalho social influenciam na atividade produtiva prisional e, mais especificamente, apontar algumas questões acerca da divisão sexual do trabalho, a qual considera-se pouco abordada pelos estudos penitenciários. Para tanto, na primeira parte se estabelece a preocupação em pensar o trabalho encarcerado de maneira mais genérica, para depois problematizá-lo frente às diferenças inerentes à condição sexual.

Enfatiza-se que alguns importantes dados, os quais possibilitariam uma análise comparativa mais pormenorizada, não estavam acessíveis posto que a Secretaria de Administração Penal não possuía os números referentes aos tipos de atividades exercidas por homens e mulheres nas prisões.

  1. O trabalho prisional: considerações gerais

Partindo do pressuposto que, na modernidade, o trabalho é pensado como essência do homem, um indivíduo que dele se afasta, distancia-se de sua essência humana. Assim, a instituição penal, a qual pretende ser uma instituição punitiva por um lado, mas de ‘ressocialização’ do recluso por outro, tem no trabalho (e paralelamente na educação) os alicerces de seus objetivos.

Importantes teorias sobrepuseram a fábrica, a escola e a prisão como processos encadeados de uma mesma realidade. A maneira pela qual essa realidade é compreendida modifica o entendimento de suas engrenagens.

Teorias mais economicistas, como a de Melossi e Pavarini, por exemplo, vêem no trabalho encarcerado um elemento regulamentador da ‘oferta e procura’ de mão-de-obra e dos níveis salariais (por inserir os presos no exército de reserva), assim como uma forma de condicionar cárceres à condição de proletários, os conformando em uma classe social específica.

Para Foucault, todavia, a prisão não visa ‘fabricar operários’, mas sim, ‘institucionalizar a delinqüência’. O trabalho penal aparece aqui, como uma atividade inútil e improdutiva, que tende sobrepujar as individualidades perante regras sociais ‘mortificando o eu’ (parafraseando Goffman). Em Foucault, o trabalho, como atividade prisional, é mais uma prática de qualificação social do que uma lógica de ‘reinserção’ do preso na sociedade.

Frente às novas formas de regulamentação da atividade produtiva – sejam elas, a formação de redes de colaboração horizontal entre as empresas ou de subcontratação do trabalho por meio de cadeias verticalizadas – o trabalho no cárcere tem se tornado cada vez mais específico e caracterizado. Assim, parte do encadeamento da produção passa a ser exercida particularmente por presos, fazendo com que o apontamento de Foucault ganhe novos ares: a tipificação do trabalho prisional.

Os muros da prisão, portanto, não evitam que o trabalho dos presos (ou ainda, trabalho ‘de presos’) seja agregado funcionalmente às cadeias produtivas. Como Gilberto Dupas enfoca, por um lado, o encadeamento verticalizado da produção concentra no topo poucas e grandes empresas, indústrias e marcas; por outro, fragmenta a base em inúmeros trabalhos e formas de trabalhadores. “Enquanto seleciona, reduz, qualifica – e, portanto, exclui – no topo, a nova lógica das cadeias inclui na base, trabalhadores com salários baixos e contratos flexíveis, quando não informais”.

A elaboração do trabalho pelos(as) presos(as) não é alguma coisa que responde à regulamentação interna e particular da prisão. As empresas contratam – por vezes mediadas pela FUNAP – as penitenciárias, que agem como agências de alocação de mão-de-obra, subcontratando os(as) reclusos(as) de cada unidade determinada.

O que Vinicius Caldeira Brant já havia exposto em O trabalho encarcerado é repetido pela Gerente de Trabalho da Fundação acima citada ao ser interpelada sobre o ‘tipo de tecnologia e artefatos utilizados para o exercício de trabalho na prisão’. Ela afirma serem usados apenas materiais e ‘tecnologias primitivas’, já que os trabalhadores encarcerados são contratados para o acabamento, ou ainda, para o ponto radicalmente inicial da produção, enfim, atividades que “envolvem trabalho manual repetitivo, monótono, pouco valorizado”, tais como embalar canudinhos plásticos, dobrar envelopes ou caixas e costurar bolas  – esta última, de acordo dados da Secretaria de Administração Penal de São Paulo, ocupa 22% da totalidade dos trabalhadores presos, podendo ser fortemente tipificada como trabalho prisional.

Alojado nas entrelinhas da percepção da existência dessa ‘especialização do trabalho encarcerado’ está o fato de que as trajetórias profissionais dos indivíduos que estão presos não são levadas em conta. A ‘mortificação do eu’, ou ainda, o ‘seqüestro das identidades’, também se dá por essa via. Além disso, o fato desta população, qualificada como ‘criminosa’, composta por pessoas que têm biografias profissionais – o que desmente a crença de crime e trabalho serem categorias concomitantemente excludentes -, também fica claro aqui.

De fato, tanto na leitura da obra de Brant, como ao longo do estudo realizado na Penitenciária Feminina do Tatuapé em 2005 (ano em que esta unidade foi fechada), a verificação de que a prisão significa uma ruptura profissional, está presente. Das mulheres que responderam o questionário aplicado na ocasião da pesquisa, apenas 5% declararam que não exerciam qualquer atividade remunerada no momento da prisão, e outras 15% não se manifestaram. Ou seja, todas as 80% restantes estavam empregadas ou exercendo qualquer atividade remunerada naquela ocasião.  Crime e trabalho, portanto, respondem a uma lógica de complementaridade na qual um dá suporte ao outro.

“Burawoy reivindica a importância analítica de se restabelecer a dimensão propriamente política do processo de produção, tão cara ao pensamento marxiano. Ela seria condição primeira para se compreender a intervenção humana no processo de transformação de matérias primas em produto através do uso dos equipamentos – ou seja, condição para entender o elo entre trabalho, tecnologia e transformação”.

O trabalho do indivíduo em situação de cárcere é parte desse elo da produtividade. Os muros das prisões, se são de outro tipo que não os da fábrica, ou de qualquer outra empresa prestadora de serviços, não deixam de ser somente muros. Ao mesmo tempo, são justamente os muros que, delimitando entradas e saídas, definem o posicionamento das pessoas em relação à tecnologia de produção. Por fim, é esse posicionamento que determina, em grande medida, as diferenças na caracterização do status social.

A verdadeira tecnologia das oficinas de trabalho nas penitenciárias ainda é a caneta nas mãos do(a) supervisor(a), da(o) psicóloga(o), da(o) assistente social, os quais, se não concebem a forma de realização de determinada atividade produtiva, concebem comportamentos, discursos que devem ser agregados ao cotidiano dos(as) reclusos(as), para que a eles, ou a elas, seja concebida a liberdade. A tecnologia é de fato primitiva, mas a ela é engendrada uma complexidade estrutural de relações de poder e controle que, na prisão, ocupam cada segundo do dia. Do dia que não passa, e dos dias que ainda restam passar.

  1. Divisão sexual do trabalho e tecnologia: seus reflexos no cárcere

O diferencial entre o trabalhador preso e a trabalhadora presa, de acordo Espinoza, está no fato de que ambos realizam atividades precárias, mas, “a situação das últimas é mais grave porque sua exclusão precede o ingresso na prisão, permanece durante sua estada e se pereniza depois da obtenção da liberdade.”

Seguindo o raciocínio dessa autora, considera-se ser significativa a abordagem da existência de uma suposta exclusão da mulher precedente à prisão.

As considerações históricas de Nadya Araújo Guimarães acerca dos caminhos da incursão feminina na população economicamente ativa no Brasil esclarecem que, se a princípio – de 1985 a 1995 – a maior parte das mulheres empregadas em algum tipo de atividade remunerada eram ‘jovens, solteiras e sem filhos’, com o tempo, elas naturalmente constituíram famílias e atingiram idades mais avançadas. Outras mulheres, já mais velhas, também foram, aos poucos, tomando parte desse segmento social. Além disso, simultaneamente, atividades qualificadas como femininas consolidavam-se e, em alguns redutos fortemente caracterizados como masculinos, mulheres eram bem sucedidas.

Contudo, a reestruturação do processo de trabalho que ganha força após a década de noventa atingiu principalmente as trabalhadoras, de modo que “40% da força de trabalho feminina brasileira estava, em 1993, em posições ocupacionais que sugeriam a existência de trabalho precário”. Eram também as mulheres mais pobres que estavam mais próximas do risco de ficarem desempregadas. Certamente, essa porcentagem não pode ser entendida como alguma coisa aleatória, mas parte da constituição social do trabalho.

O fato de a atividade produtiva entendida como feminina ser menos qualificada, pode explicar as diferenças de alocação da mão de obra masculina e feminina, mas não o faz necessariamente. Segundo Helena Hirata, falta de qualificação, por vezes, pode ser qualificação à medida que o fluxo de oferta e demanda de diferentes tipos de emprego é variável. Contudo, ainda para essa autora, o posicionamento ocupado pelo trabalho feminino numa escala hierárquica de status é inferior ao masculino porque aquele é pensado como atividade desprovida ou, menos exigente, em relação ao arsenal técnico necessário para sua realização. Aos ‘trabalhos femininos’ relacionam-se atributos entendidos como inerentes da ‘condição de mulher’; as ‘atividades masculinas’, ao contrário, são ligadas ao uso de tecnologias, ou seja, ao próprio controle – ou a maior proximidade dele – do processo de trabalho. “O controle masculino desqualifica as mulheres da mesma maneira que os técnicos e os cientistas do capital desqualificam os operários. Um problema complexo, o da qualificação, está ligado à tecnologia”.

A aproximação da mulher a um status de natureza primitiva, inata, biológica, é o que parece dar o tom de seu posicionamento no processo produtivo. O ‘trabalho manual’, ao ser fortemente estereotipado como ‘qualidade feminina’, ilustra bem o que pretendemos dizer aqui.

Obviamente, com o trabalho encarcerado não poderia ocorrer de outro modo. A pesquisa, infelizmente, carece de dados acerca do processo de produção realizado no cárcere masculino que possibilite uma comparação de gênero aprofundada. Entretanto, é sabido, ainda que, de acordo a Gerente de Trabalho da FUNAP, aos homens encarcerados é confiada a ‘restauração e concerto de móveis escolares’. Tal atividade, certamente, necessita de maior envolvimento produtivo com tecnologias (de fundição por exemplo), e, por isso mesmo, de alguma forma com a concepção do trabalho, com o seu controle.

A tecnologia exerce influência sobre a divisão sexual do trabalho porque, por meio dela, este ou é simplificado, passando a ser, portanto, ‘feminilizado’; ou, ao contrário, passa a necessitar de qualificação técnica, sendo considerado ‘masculino’.

Nesse registro, fica evidente que a atividade produtiva é apropriada pelo discurso penitenciário, de modo a agregar elementos próprios do que chamamos aqui de ‘qualificação naturalizada’ da mulher. “Uma vez criada a prisão como instituição, entendeu-se necessária a separação de homens e mulheres para aplicar-lhes tratamentos diferenciados. Com essa medida buscava-se que a educação penitenciária restaurasse o sentido de legalidade e de trabalho nos homens presos, enquanto no tocante das mulheres, era prioritário reinstalar o sentimento de pudor”.

Segundo Espinoza, o processo ‘ressocializador’ da reclusa, pretendido pelas instituições penais femininas – que a princípio eram instaladas em conventos -, busca restabelecer o papel social da mãe e esposa, mesmo no que tange ao trabalho não doméstico. O molde de uma postura submissa, de ‘domesticidade’, tende a ser o objetivo.

“Nas prisões femininas, o valor ‘docilidade’ adquire significação especial na medida em que tenta reproduzir os padrões ‘femininos’ como regra de conduta. A não-adequação a esses padrões provoca maior repressão por gerar o entendimento de que se pretende do modelo de ‘mulher normal’, e pode redundar em avaliação negativa no tocante aos laudos de técnicos e funcionárias penitenciárias”.

Os homens presos, criminosos, portanto, são desviantes do mundo legal, do trabalho; enquanto as mulheres, mesmo depois de um processo sócio-histórico de forte inclusão feminina na população economicamente ativa, são desviantes da domesticidade e escravas de ‘perturbações mentais’ e/ou ‘transtornos hormonais’.

Mais uma vez, ao feminino, é aproximada a noção ‘visceral’ que escapa aos limites e domínios da ‘humanização’, da ‘racionalização’. E por mais antagônico que possa parecer, talvez seja possível entender um dado que é ‘lugar comum’ nos corredores da administração penitenciária, por meio dessa condição de interpretação social da mulher: as empresas que se disponibilizam a contratar mão de obra carcerária, muitas vezes preferem mulheres a homens encarcerados.

O fato das mulheres serem vistas como não agressivas e menos questionadoras pode facilitar para as empresas encarregá-las da responsabilidade de exercer um trabalho no espaço carcerário, o qual obscurece quem são os operários a serem contratados. Entretanto, a questão de essas mesmas empresas – que montam oficinas de trabalho nas prisões femininas -, dificilmente contratarem egressas, está presente tanto na dissertação de Espinoza como em entrevistas realizadas com trabalhadoras reclusas ao longo dessa pesquisa.

Além disso, se o tipo de atividade exercida dentro das prisões – não em regime semi-aberto, ou ainda, mão de obra carcerária utilizada na construção civil, esta fortemente marcada pela presença masculina – e que integra a ‘cadeia produtiva’, é aquela que inicia a produção (very beginning), ou que dá os seus últimos acabamentos (tal como contar e embalar), a ‘destreza manual, atenção a detalhes e paciência para a realização’ – qualidades próprias do imaginário social feminino – são fortemente demandadas.

O estudo de caso de Anne Caroline Posthuma, acerca dos trabalhos femininos exercidos em duas montadoras, é revelador ao demonstrar que às mulheres não eram disponibilizados, ao contrário dos homens, cursos profissionalizantes; somente comportamentais. Como já foi registrado seriam necessários dados específicos sobre o trabalho e os cursos profissionalizantes existentes nos cárceres masculinos e femininos para que pudéssemos elaborar uma análise comparativa. Entretanto, a pesquisa aponta que, entre as trabalhadoras da unidade do Tatuapé, 88% não haviam feito qualquer tipo de curso ou treinamento para ingressarem no trabalho carcerário, e que 47% nunca haviam recebido qualquer tipo de treinamento profissional, mesmo fora das prisões.

Esses números coincidem com o que foi relatado sobre ser, a mulher considerada naturalmente qualificada para determinadas funções enquanto o homem naturalmente qualificado, para funções que necessitem maior empenho intelectual, de proximidade com a tecnologia; enfim, de controle do trabalho. Além disso, demonstra que o trabalho encarcerado, como um todo, não está necessariamente preocupado com a profissionalização dos reclusos, e sim com a ‘recodificação’ de caráter dos mesmos. Demonstra, principalmente, que trabalho livre e trabalho encarcerado não constituem realidades autônomas; mas, que se complementam na produção de valores de uso e de posições que são distribuídas entre o topo do controle, da concepção do processo produtivo, e da base responsável pela execução daquele. Posicionamentos que influenciam e são influenciados pelas nervuras do cotidiano e do simbólico.

  1. Considerações finais

Dados da Secretaria de Administração Penal, de agosto de 2006, indicam que 96% da população encarcerada são de homens contra 4% de mulheres. Desse montante, apenas 20% dos presos são pais, enquanto 67% das presas são mães. Os dados ainda indicam que os homens, em média mais jovens do que as mulheres; ao serem presos, não são abandonados pelas famílias. Fato que não acontece com as presas, que em sua maioria, já entram no cárcere na condição de chefes de família.

Tal cenário remete àquele descrito pelo estudo de Helena Hirata, acerca das diferenças dos destinos das mulheres e homens no momento de reestruturação produtiva. A autora demonstrava que, as primeiras terminavam por, mais facilmente sacrificar a carreira – que no caso descrito, era primordialmente industrial – para exercerem atividades próprias do trabalho informal e precário. Muitas vezes, principalmente em se tratando de mulheres mais velhas, solteiras e com filhos, a recolocação no mercado de trabalho era marcada pelo emprego doméstico.

A realidade estatística da mulher presa coincide com a descrita acima (mãe solteira e chefe de família). Portanto, o trabalho na penitenciária feminina, na maioria das vezes tem o importante papel de sustento familiar e, por isso mesmo, não pode ser remediado.

Não são as oficinas de trabalho, ou o emprego formal, que ocupam a maior parte daquelas que fazem dos corredores da instituição penal uma cidade de mulheres. A carceragem se torna uma feira, e inúmeros serviços, geralmente relacionados ao cuidado das celas, da beleza, da saúde, são oferecidos. E, são esses serviços (limpeza, manicure, bordados no uniforme) que não permitem esquecer, em nenhum momento da visita, da pesquisa, da entrevista, que não se trata de qualquer unidade prisional.  Trata-se de uma penitenciária feminina, ‘com aroma de mulher’ (parafraseando o título do artigo de Reygadas), repleta de feminilidade, que é diretamente relacionada à dignidade.

  1. Bibliografia

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É nesse sentido que Burawoy supera a análise de Braverman. Pois, o primeiro, ao não negligenciar as engrenagens sociais que não são, como nem poderiam ser, deixadas do lado de fora das fábricas, percebe as relações de controle e poder que são produzidas e reproduzidas no chão de fábrica.

Ramalho, 1979.

Foucault, 1987.

O último modelo é o que, de acordo Abramo, tem predominado na América Latina.

Brant, 1994.

Dupas, 1999, p. 71.

Fundação de auxílio ao preso.

Brant, 1994, p. 26.

Chies, 2005.

Guimarães, 2002, p. 09.

Espinoza, 2003, p. 85.

Guimarães, 2002, p. 260-261.

Importante notar que, dizer ser o trabalho socialmente feminino, atividade que demanda baixa qualificação, não é o mesmo que dizer serem as mulheres pouco qualificadas. Ao contrário, Guimarães demonstra que, geralmente, as mulheres possuem alto grau de escolaridade e especialização.

Hirata, 2002.

Grupo Sex and Class, 1980, p. 86. Apud. Hirata, 2002, p. 198.

Espinoza, 2003, p. 48.

Idem, p. 99.