A importância da teoria marxista para a Sociologia do Direito

REVISTA SOCIOLOGIA JURÍDICA – ISSN: 1809-2721

Número 15 – Julho/Dezembro 2012

A importância da teoria marxista para a Sociologia do Direito

Márcio Bonini Notari – Bacharel em direito pela Universidade Católica de Pelotas, UCPEL/RS. Advogado. Pós – Graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Atlântico Sul, Pelotas/RS. Participante  do Grupo de Estudos em Hannah Arendt pela UFPEL/RS, sob a coordenação da Prof. Dra. Sônia Maria Schio. Mestrando em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC/RS.

Email: marciobnotari@gmail.com.

Guilherme Estima Giacobbo – Mestrando em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Participante do grupo de estudos Gestão Local e Políticas Públicas. Especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera – UNIDERP.  Bacharel em Direito pela Universidade federal do Rio Grande. Servidor Público Federal – FURG.

Email: Guilhermegiacobbo@gmail.com

Resumo: O presente artigo busca averiguar a importância do direito enquanto instrumento institucionalizado de controle social. No contexto jurídico, as regras estabelecem padrões de conduta a que os membros de um grupo se acham subordinados de forma coativa. O jurista seja advogado, promotor, juiz, professor, acaba tendo um mundo á parte, formalista e legalista, que muitas vezes está desconectado da realidade social em que vive, sendo importante buscar em outras matrizes das ciências humanas, in casu, a sociologia do direito, uma nova maneira de compreender o desenvolvimento do direito e suas relações jurídicas, históricas, sociais e econômicas, desprovido de idéias fixas e pré-concebidas. Em razão disso, buscamos fazer o caminho inverso: estudar o direito em conjunto com a sociologia, a partir da práxis e das contradições sociais tendo como referencial teórico o pensamento de Karl Marx.

Abstract: This article seeks to examine the importance of law as an instrument of institutionalized social control. In the legal context, the rules establish standards of conduct to which members of a group find themselves subordinated in a coercive way. The jurist, being whatever a lawyer, prosecutor, judge, teacher, ends up having a world aside, formalistic and legalistic, which is often disconnected from the social reality in which they live and it is important to seek other matrices of the humanities, in casu, the sociology of right, a new way of understanding the development of the law and their legal relations, historical, social and economic, devoid of fixed ideas and pre-conceived. For this reason, we seek to do the opposite: to study law together with sociology, from the praxis and social contradictions with the theoretical thought of Karl Marx.

Sumário: 1 – Introdução; 2 – A Compreensão da Dialética Hegeliana e sua Influencia as Idéias Marxistas; 3 – O Direito e o Marxismo; 4 – Conclusões; 5 – Referências Bibliográficas.

Palavras chaves: Sociologia, Direito, Marxismo e Contradições Sociais.

Keywords: Sociology, Law and Marxism, Social contradictions.

 

  1. INTRODUÇÃO

Karl Heinrich Marx nasceu em Trier, no sul da Prússia Renana, na Alemanha, em 05 de maio do ano de 1818, filho do advogado Hirschel Marx. Admirava a revolução francesa e os pensadores do século 18, como Rosseau e Voltaire. A mãe, Henritte Pressburg, era de origem holandesa. Ambos descendiam de rabinos judeus. De origem judia sua família aderiu à religião luterana, com o objetivo de evitar as perseguições aos judeus que se alastravam pela Alemanha naquele tempo. Em razão disso, acredita-se que sua aversão às religiões de uma maneira geral.

No ano de 1835, Karl Marx inscreveu- se na Faculdade de Direito da Universidade de Bonn, dedicando-se ao estudo e as obras de história e filosofia. Também, estudou história, as artes, línguas estrangeiras. Interessaram-se profundamente pelas idéias de Hegel. Passou a utiliza-las como referência inclusive contra os discípulos do mesmo.

Quando se encontrava em Berlim, Marx foi atraído pela filosofia hegeliana, a qual teria influenciado de forma profunda. Lá se juntando a um grupo chamado de Jovens Hegelianos, cujos membros acreditavam na dialética da História. Em meio à juventude conheceu Friedrich Engels, que seria seu amigo e colaborador durante o resto da vida.

Dentre as principais obras escritas por Marx, está os Manuscritos Econômicos – Filosóficos (1844), A Sagrada Família (1844), Teses sobre Feurbach (1845) a Ideologia Alemã (1846), a Miséria da Filosofia (1847), o Manifesto Comunista (1848), O 18 Brumário de Luís Bonaparte (1851) e, por fim, O Capital (1867).

Marx é jurista, filósofo, historiador, sociólogo, político revolucionário, economista. Graduado em direito na Alemanha, tendo cursado o Doutorado em filosofia em 1839, tendo elaborado sua tese de doutoramento “As diferenças da Filosofia da Natureza em Demócrito e Epicuro”. Em 15 de abril de 1841, recebeu o diploma de Doutor em Filosofia. Também, escreveu no ano de 1843 a “Contribuição á crítica da Filosofia do Direito de Hegel”, onde procurou desvendar a relação que havia entre o Estado e a sociedade civil, entendida como interesses privados.

Suas idéias e pensamentos se deram nos meados do século XIX. Segundo Mascaro (2007, P.97), ao final de sua trajetória, dedicou-se com mais ênfase a economia política, tendo atingindo o ápice, ao escrever a Obra “O Capital”. Nesta obra, a sociedade na visão marxista, passa a ser analisada a partir das contradições de classe, na esfera da exploração econômica.

  1. A COMPREENSÃO DA DIALÉTICA DE HEGEL E SUA INFLUÊNCIA AS IDÉIAS MARXISTAS

Para que possamos compreender o pensamento marxista e suas influências teóricas, devemos partir de algumas premissas básicas, dentre elas, a matriz filosófica hegeliana, a qual será feita uma breve síntese, tendo em vista os objetivos do presente trabalho.

O primeiro pensador contemporâneo a dizer que a análise da sociedade não tem sua compreensão a partir do individuo foi Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 – 1831) [1]. Segundo Castro, p.58, “para Hegel a base da dialética é o espirito fundamental”. Esta palavra remete a idéia de dual, ou seja, o que diz respeito a dois lados, duas posições.

Tomamos como exemplo, a seguinte situação: temos o universo inteiramente vazio. Tudo que existe é Geist, isto é, mente ou espirito. Não esta mente ou este espirito em particular, mas mente ou espirito no geral. É mente, mas totalmente sem consciência – mente em potencial na verdade. Contém uma idéia o conceito de ser, embora tenha somente esse idéia, abandonada de outras idéias.  Alheia á ideia do ser vem a idéia do nada, a qual é sua oposta, portanto, leva a síntese de ambas as idéias, a noção do vir a ser, de onde sairão muitos conceitos: sustância e acidente, a causa e efeito, tempo e espaço, dentre outros.

Deste modo, os conceitos básicos são deduzidos, ou eles próprios se deduzem o que para Hegel, ele chama de dialética. Na dialética, as coisas se transformam em seus opostos e depois “os opostos se atraem”, em uma síntese mais elevada. Isso fica claro quanto entendemos a contradição proposta por Hegel, a partir da passagem mais famosa da obra a Fenomenologia do Espírito: a dialética do senhor e do escravo.

O pressuposto é que o senhor é senhor porque seria um ser plenamente vitorioso e assim realiza o seu desejo de ser reconhecido como tal pelo escravo, sobre o qual ele detém o poder de vida e morte. No entanto, a relação-senhor escravo é, como toda relação, dinâmica, e o escravo não é um elemento meramente passivo. É a consciência do escravo que reconhece o senhor como tal; este, por isso, necessita do outro para afirmar-se e se manter como senhor. O escravo, dependente em principio do senhor, torna-se senhor da consciência do seu próprio amo.

A relação de ambos ilustra o impasse da liberdade subjetiva que só poderá ser desfrutada graças á dominação do outro. Em razão da dependência do outro, a liberdade subjetiva não se manifesta e, por consequência, acaba desinteressando-se do mundo objetivo. Essa perda dar-se-á na interiorização da subjetividade do eu. Essa subjetividade, a liberdade apenas do eu interior, gera o que Hegel denomina de consciência infeliz.

O método dialético hegeliano irá buscar na arte de raciocinar, de argumentar, discutir buscando a verdade pela oposição, conciliação, os interesses contrapostos, as antinomias, a exploração de um pelo outro. É um método que inicia em torno da análise dos conflitos históricos e das contradições existentes na sociedade e, portanto, trata-se de um processo de entendimento do mundo.

O Marxismo, apesar de ser “partidário” da filosofia hegeliana, dirá que Hegel está certo na quase totalidade de seu ideário. No entanto, Marx dirá que Hegel está errado em um único ponto: ao dizer que o conflito, aparece na nossa razão e, só após se transformará em realidade. Na visão marxista, o conflito estaria na realidade, isto é, a partir da práxis social, é que seria possível o real entendimento das contradições dos conflitos sociais.

  1. O MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA E A SUA ESTRUTURA

Quando escreve o Manifesto Comunista entre 1847 e 1848, Marx traz a dimensão de suas idéias a cerca da história e da sociedade, a partir da seguinte constatação a cerca da contradição existente no amago da sociedade, quando afirma que: a história de todas as sociedades até agora tem sido a história das lutas de classe[2]. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, membro da corporação de aprendiz, em suma, opressores e oprimidos, estiveram em contraposição uns aos outros e envolvidos numa luta ininterrupta, ora disfarçada, ora aberta, que terminou com a transformação revolucionária da sociedade inteira ou com o declínio conjunto das classes em conflito.

Uma observação de Frederich Engels (incluída na edição inglesa de 1888) buscou conceituar a nova divisão de classes sociais emergentes: Burgueses e Proletários. Por burgueses entende-se a classe dos capitalistas modernos que são proprietários dos meios sociais de produção e utilizam o trabalho assalariado. Por proletários, a classe dos modernos trabalhadores assalariados que, não possuindo meios próprios de produção, depende da venda de sua força de trabalho para sobrevivência.

Estes conceitos diferenciando a classe dos Burgueses e dos Proletários são de fundamental importância para entendimento do pensamento marxista, pois a partir destes conceitos, assim como, na dialética do senhor- escravo será possível visualizar a transposição do método hegeliano, utilizado por Marx, como matriz teórica, para compreender as contradições históricas e dialéticas no âmbito da sociedade capitalista.

E a contradição objetiva está em jogo: os detentores do capital e os não detentores, que vendem sua força de trabalho ou ficam á margem da sociedade capitalista, formando o chamado exército de reserva. Estas posições objetivas estão em voga, devendo a sociologia do direito valer-se do marxismo enquanto teoria, haja vista que nele há uma denúncia estrutural das condições injustas da sociedade, as quais, também, são estruturais. Na visão marxista, em qualquer sistema de classe haverá os que possuem os meios de produção, constituindo aqueles que dominam e os dominados aqueles que trabalham.

Nesta linha, o fato básico por excelência no tocante a uma dada sociedade para a vertente marxista, é a origem de sua organização econômica, o seu modo de produção, suas relações de produção. Isto implica dois aspectos: o primeiro quanto ao método de produção (agricultura, a indústria, o comércio, etc) e, o segundo, em relação á maneira como a produção é socialmente organizada.

Para Marx, a organização socioeconômica da sociedade na qual ele denomina como subestrutura, ou infra-estrutura, ou ainda, a base, é fundamental para determinar a natureza de todos esses aspectos. Em qualquer sociedade a superestrutura de leis governo, arte, crença e valores é um resultado direito de sua organização econômica. Em outras palavras, as raízes estando bem fixadas ao solo (infra) darão o suporte necessário para árvore (super).

O elo que liga a base aos demais elementos, é o Estado. A partir da criação instrumentos jurídicos, como a lei, a polícia e suas forças armadas, a arte, a religião, a literatura acaba-se dando origem a um verdadeiro “leviatã” para proteger os interesses da classe dominante, que na sociedade capitalista é a burguesia e garantir o controle da economia. Tanto é assim, que os burgueses detém o controle das finanças, das fábricas e das máquinas as quais se baseia a produção industrial.

Desta feita, assim como na dialética do senhor e do escravo, onde o domínio do senhor pelo escravo dar-se-á pelo uso da força, sem qualquer tipo de organização institucional; o sistema de produção capitalista necessita da população em sua ampla maioria. Um bom exemplo, quanto ao funcionamento das superestruturas, seria a religião, que contribui para a visão de mundo burguesa, de que o sucesso material é um sinal da graça de Deus. No próximo item será aprofundada a questão do direito enquanto  parte da super estrutura do capitalismo.

  1. O DIREITO E O MARXISMO

Para fins deste artigo, a questão referente aos itens históricos no âmbito da sociedade capitalista ganha relevo para Marx, uma vez que o direito passa a ser utilizado como mecanismo da estrutura econômica capitalista para a dominação do trabalhador pelo burguês; a regulamentação da propriedade, os lucros, os contratos de trabalho, a liberdade individual, a igualdade de oportunidades, a compra e venda, tudo que possibilite o lucro para os dominadores tem no Estado o garantidor do capital, da ordem e de suas relações sociais e, por consequência, jurídicas.

No capitalismo a forma jurídica estará atrelada a forma mercantil. Ou seja, numa economia onde uns compram e outros vendem, surgem as transações comerciais em suas mais diversas formas, por tratar de uma economia de caráter eminentemente mercantilista, na qual tanto os bens quanto as pessoas são objetos de troca, portanto, tratados na forma de mercadorias. Logo, esses conjuntos de relações sociais vão se constituindo e necessitam ganhar contornos jurídicos em razão da economia mercantil.

Para que haja contrato é necessário que exista, juridicamente, deve haver liberdade para realização do contrato; os contratantes devem ser sujeitos de direito, para que assim tenham direitos e deveres. No comércio, bancos, fábricas estabelecimentos devem ter livre concorrência, propriedade privada, o mercado deve circular livremente em favor do lucro, do capital, das transações comerciais, etc.

Enquanto, nas sociedades pré-capitalistas o modo de produção estabelece a dominação social de maneira direta, mediante o uso da força; no capitalismo isso ocorre em sentido contrário, à dominação é feita indiretamente. E quem procede à intermediação da dominação do capital é o Estado e o direito.

Sendo o capital o cerne da exploração do trabalho assalariado no seu modo de produção, seja no lucro das trocas mercantis, o capitalismo é o modo de acumulação infinita de riqueza e de capitais. A garantia do capital decorre do Estado e do direito. O direito é o intermediário da exploração capitalista, sendo o instrumento intermediário necessário para dar forma às estruturas jurídicas às relações de exploração entre o burguês e o proletário.

  1. CONCLUSÕES

Desta forma, o direito se compreendido tão somente à lógica formalista da legalidade, da validade, da democracia, paz social, ordem como se fossem imutáveis, constantes e sem apresentar contradições, incidirá o jurista em sérios riscos. Ao entender a dialética marxista, que tem por ancora a realidade, torna possível ao jurista descobrir as contradições da história na concretude das relações sociais.

No marxismo o direito é parte da história, das contradições e da infraestrutura do capitalismo, sendo relevante a análise de maneira dialética. Ao fim, verificamos que é possível utilizar esta vertente teórica e critica para a sociologia do direito, bem como, ao universo do senso comum teórico dos juristas.

  1. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRÃO, Bernadette Siqueira. História da Filosofia. Editora Nova Cultural. São Paulo, 2004.

ADAMS, Ian. Cinquenta Pensadores políticos essenciais da Grécia antiga aos dias atuais/ Ian Adams e R.W.Dyson: tradução Mário Pontes. 2.ª ed – Rio de Janeiro; DIFEL, 2010.

BOGO, Ademar (Org.). Teoria da Organização Política: escritos de Engels, Marx, Lênin, Rosa, Mao – 1.ed. – São Paulo: Expressão Popular, 2005.

CASTRO, Celso Antônio Pinheiro de. Sociologia do direito: fundamentos da sociologia geral: sociologia aplicada ao direito. – 2.ed.—São Paulo: Atlas, 1985.

MASCARO, Alysson Leandro. Introdução ao Estudo do Direito. -4.ed. – São Paulo: Atlas, 2013.

__________, Lições de Sociologia do Direito – São Paulo: Quartier Latin, 2007.

[1] Hegel foi professor universitário tendo exercido a cátedra de filosofia em Berlim (1818 – 1831). Dentre duas principais obras, estão Phanomelogiedes Gesteis (Fenomenologia do Espírito, 1807), no qual traça a evolução da consciência humana. Posteriormente, publicou Enzyclpadie der philosphischen Wissenchaften in Grundriss (Enciclopédia resumida de ciências filosóficas, 1817): A lógica, A filosofia Wissentchaft der Logik (Ciência da Lógica, 1812) e Grudlinen der Philosophiedes Rechts (Princípios da filosofia do direito no ano de1821). 

[2] BOGO, Ademar (Org.). Teoria da Organização Política: escritos de Engels, Marx, Lênin, Rosa, Mao – 1.ed. – São Paulo: Expressão Popular, 2005. P. 84.